|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros
EUA rompem acordo e colocam G20 em risco
Injeção de recursos contradiz compromisso assinado contra oscilações no câmbio
Enxurrada de dinheiro
deve valorizar mais as moedas de emergentes
e transformar cúpula
em "campo de batalha"
CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA
Ao anunciar uma catarata
de US$ 600 bilhões nos próximos oito meses para irrigar
a sua economia, os EUA violaram claramente acordo que
eles próprios assinaram há
apenas 15 dias e colocaram
em risco o espírito que orientou a criação e o funcionamento do G20, o grupo das 19
maiores economias do mundo mais a União Europeia.
Em 23 de outubro, Ben Bernanke, o presidente do Fed, o
banco central dos EUA, e Timothy Geithner, secretário
do Tesouro, assinaram o comunicado final da reunião
de ministros de Economia e
presidentes de bancos centrais do grupo, preparatória
para a cúpula dos dias 11 e 12
em Seul, na Coreia do Sul.
O trecho violado dizia explicitamente: "Economias
avançadas, incluindo as com
moedas que são reserva, serão vigilantes contra volatilidade excessiva e movimentos desordenados nas taxas
de câmbio. Essas ações ajudarão a mitigar o risco de excessiva volatilidade nos fluxos de capital que enfrentam
alguns países emergentes".
A decisão do Fed da semana passada vai na direção
oposta, conforme analistas:
injeta uma tremenda liquidez nos mercados, parte da
qual vai para emergentes,
que já se queixam da valorização de suas moedas.
Esta é causada justamente
pelo ingresso de capitais que
buscam remuneração que os
juros a zero no mundo rico
não oferecem. É por isso que
países emergentes como Brasil e China e ricos como a Alemanha reclamaram da iniciativa dos EUA e se propuseram a levar o tema a Seul.
É sintomático que o ministro alemão das Finanças,
Wolfgang Schäuble, tenha
apontado claramente para o
rompimento do acordo que
"todos os países desenvolvidos, incluindo os EUA, estavam explicitamente obrigados a cumprir".
TRÉGUA
Não é só uma questão técnica. O jornal econômico sul-coreano "Chosun Ilbo" lembra, em sua edição on-line
em inglês, que o texto assinado pelos ministros há duas
semanas representava uma
trégua na guerra cambial.
Rompida a trégua, a decisão americana "ameaça
transformar a cúpula do G20
em um campo de batalha sobre divisas".
Batalha em que os EUA ficaram isolados. Nos preparativos para a reunião ministerial de outubro, Geithner
apontara o dedo para a China
como a grande responsável
pelos desequilíbrios globais,
pois exporta demais, graças
ao câmbio administrado.
É uma teoria até aceitável,
conforme Sebastian Mallaby,
diretor do Centro Maurice R.
Greenberg para Estudos
Geoeconômicos dos EUA:
"Como a economia de
maior taxa de poupança do
mundo, a China está em condições de incrementar seu
consumo, fornecendo um
dos estímulos que são tão necessários nos EUA, no Japão
e na Europa".
Ainda assim, a reunião de
ministros preferiu, como tem
sido a praxe no G20, não
apontar culpados. Só manifestou o desejo de que seus
membros se movessem para
"sistemas cambiais mais determinados pelo mercado" e
evitassem "desvalorização
competitiva das moedas".
Além, claro, de pedir aos
EUA (a única economia que
emite moeda que é reserva
para todo o planeta) que evitassem "movimentos desordenados", como está sendo
vista a decisão de irrigar a
economia com tanto dinheiro (relaxamento monetário,
no jargão, ou "quantitative
easing", em inglês).
HIPOCRISIA
Com isso, diz Mallaby, a
queixa dos EUA sobre a China "parecerá hipócrita".
Pior: a ação do Fed "ameaça
criar excesso de liquidez capaz de inflar bolhas, especialmente nos emergentes de
rápido crescimento".
É o temor que Guido Mantega (Fazenda) manifesta já
faz um ano, aliás.
Segundo risco, para Mal-
laby: "A política superfrouxa
do Fed está estressando a ordem monetária internacional
em um momento em que o
espírito de cooperação parece particularmente frágil".
É por esse raciocínio que
se chega à ameaça ao espírito
original do G20: a cooperação e a coordenação entre os
governos membros foi essencial para controlar a crise.
Como diz Il Sakong, presidente do comitê criado pela
Coreia para a cúpula do G20,
"o grupo até agora foi eficiente como comitê de gerenciamento de crise. À medida que
o sentimento de crise retrocede, no entanto, a unidade entre os países-membros pode
também se dissipar, o que
significa que o desenlace da
cúpula de Seul será crítico
para o futuro do G20".
Texto Anterior: Mercado Aberto Próximo Texto: Cúpula do G20 na Coreia do Sul Índice | Comunicar Erros
|