São Paulo, domingo, 07 de novembro de 2010

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EUA rompem acordo e colocam G20 em risco

Injeção de recursos contradiz compromisso assinado contra oscilações no câmbio

Enxurrada de dinheiro deve valorizar mais as moedas de emergentes e transformar cúpula em "campo de batalha"

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

Ao anunciar uma catarata de US$ 600 bilhões nos próximos oito meses para irrigar a sua economia, os EUA violaram claramente acordo que eles próprios assinaram há apenas 15 dias e colocaram em risco o espírito que orientou a criação e o funcionamento do G20, o grupo das 19 maiores economias do mundo mais a União Europeia.
Em 23 de outubro, Ben Bernanke, o presidente do Fed, o banco central dos EUA, e Timothy Geithner, secretário do Tesouro, assinaram o comunicado final da reunião de ministros de Economia e presidentes de bancos centrais do grupo, preparatória para a cúpula dos dias 11 e 12 em Seul, na Coreia do Sul.
O trecho violado dizia explicitamente: "Economias avançadas, incluindo as com moedas que são reserva, serão vigilantes contra volatilidade excessiva e movimentos desordenados nas taxas de câmbio. Essas ações ajudarão a mitigar o risco de excessiva volatilidade nos fluxos de capital que enfrentam alguns países emergentes".
A decisão do Fed da semana passada vai na direção oposta, conforme analistas: injeta uma tremenda liquidez nos mercados, parte da qual vai para emergentes, que já se queixam da valorização de suas moedas.
Esta é causada justamente pelo ingresso de capitais que buscam remuneração que os juros a zero no mundo rico não oferecem. É por isso que países emergentes como Brasil e China e ricos como a Alemanha reclamaram da iniciativa dos EUA e se propuseram a levar o tema a Seul.
É sintomático que o ministro alemão das Finanças, Wolfgang Schäuble, tenha apontado claramente para o rompimento do acordo que "todos os países desenvolvidos, incluindo os EUA, estavam explicitamente obrigados a cumprir".

TRÉGUA
Não é só uma questão técnica. O jornal econômico sul-coreano "Chosun Ilbo" lembra, em sua edição on-line em inglês, que o texto assinado pelos ministros há duas semanas representava uma trégua na guerra cambial.
Rompida a trégua, a decisão americana "ameaça transformar a cúpula do G20 em um campo de batalha sobre divisas".
Batalha em que os EUA ficaram isolados. Nos preparativos para a reunião ministerial de outubro, Geithner apontara o dedo para a China como a grande responsável pelos desequilíbrios globais, pois exporta demais, graças ao câmbio administrado.
É uma teoria até aceitável, conforme Sebastian Mallaby, diretor do Centro Maurice R. Greenberg para Estudos Geoeconômicos dos EUA:
"Como a economia de maior taxa de poupança do mundo, a China está em condições de incrementar seu consumo, fornecendo um dos estímulos que são tão necessários nos EUA, no Japão e na Europa".
Ainda assim, a reunião de ministros preferiu, como tem sido a praxe no G20, não apontar culpados. Só manifestou o desejo de que seus membros se movessem para "sistemas cambiais mais determinados pelo mercado" e evitassem "desvalorização competitiva das moedas".
Além, claro, de pedir aos EUA (a única economia que emite moeda que é reserva para todo o planeta) que evitassem "movimentos desordenados", como está sendo vista a decisão de irrigar a economia com tanto dinheiro (relaxamento monetário, no jargão, ou "quantitative easing", em inglês).

HIPOCRISIA
Com isso, diz Mallaby, a queixa dos EUA sobre a China "parecerá hipócrita". Pior: a ação do Fed "ameaça criar excesso de liquidez capaz de inflar bolhas, especialmente nos emergentes de rápido crescimento".
É o temor que Guido Mantega (Fazenda) manifesta já faz um ano, aliás.
Segundo risco, para Mal- laby: "A política superfrouxa do Fed está estressando a ordem monetária internacional em um momento em que o espírito de cooperação parece particularmente frágil".
É por esse raciocínio que se chega à ameaça ao espírito original do G20: a cooperação e a coordenação entre os governos membros foi essencial para controlar a crise.
Como diz Il Sakong, presidente do comitê criado pela Coreia para a cúpula do G20, "o grupo até agora foi eficiente como comitê de gerenciamento de crise. À medida que o sentimento de crise retrocede, no entanto, a unidade entre os países-membros pode também se dissipar, o que significa que o desenlace da cúpula de Seul será crítico para o futuro do G20".


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