São Paulo, domingo, 07 de novembro de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

VINICIUS TORRES FREIRE

O trem da Dilma


Eleita não apresentou boas justificativas para bancar um projeto que só para em pé com subsídios e favores


A PRESIDENTE eleita defendeu de modo enfático, em sua primeira e muito boa entrevista coletiva, o projeto do trem-bala. A entrevista teria sido ainda melhor se Dilma Rousseff não advogasse a execução dessa obra de R$ 34 bilhões, ao menos não com os argumentos que apresentou na ocasião. Dilma afirmou que: 1) Trilhos e trem serão bancados com dinheiro privado; 2) As críticas ao projeto se assemelham àquelas que desqualificavam o projeto do metrô no Brasil "por ser muito caro".
O trem-bala será, sim, em parte bancado por dinheiro que virá diretamente do Orçamento, ou que pelo menos deveria ser assim registrado.
Trata-se dos R$ 3,4 bilhões do capital que a futura estatal Etav deve colocar na empresa mista que vai construir e gerir o trem-bala (Etav quer dizer Empresa de Transporte Ferroviário de Alta Velocidade).
O BNDES deve financiar uns 60% do empreendimento, mais ou menos R$ 20 bilhões. Parte dos dinheiros do BNDES é angariada por meio do aumento da dívida pública. Há custo fiscal, pois os juros cobrados pelo BNDES, por ordem do governo, são subsidiados -juros inferiores aos pagos pelo governo em sua dívida.
Mas a questão central nem é essa.
Apesar do protesto dos economistas padrão, há casos em que pode valer a pena pagar o custo do subsídio, de imobilizar tanto capital por tanto tempo e de induzir o setor privado a engajar dinheiro num projeto. Isto é, situações em que o setor privado não tenha coragem, capital ou capacidade de perceber o interesse de um empreendimento. Pode ser que o projeto seja social e/ou economicamente tão bom que o governo tenha de dar um peteleco financeiro e/ou outro incentivo qualquer a fim de fazer a coisa andar.
É o caso do trem-bala? Difícil.
Do ponto de vista do retorno do investimento, analistas e interessados privados no negócio dizem que, mesmo com subsídio e outras regalias, a rentabilidade é incerta. Note-se que, se o negócio não render, se não houver passageiros bastantes, o governo já oferece coisas como: 1) Ajuste do fluxo de pagamentos do empréstimo; 2) Aumento do prazo de carência do pagamento de partes do empréstimo (que será amortizado em 25 anos); 3) Abatimento de até R$ 5 bilhões de juros.
Ou seja, o negócio como tal só para em pé com subsídio. E olhe lá. Pode haver custos ocultos. Desapropriações e obras podem custar mais que R$ 34 bilhões. Pode haver atrasos ou outras choradeiras empresariais. Até em reformas de cozinhas caseiras tais coisas acontecem, que dirá numa obra complicadíssima que ainda nem tem projeto de fato.
Em suma, o que justifica usar incentivos a fim de desviar recursos públicos e privados para um negócio que não dá retorno social ou lucro? Não há uso alternativo para o dinheiro? O mercado não acharia investimento mais produtivo? O governo não tem outras prioridades?
Uma justificativa seria a transferência de tecnologia. Qual tecnologia? A de fazer outro trem-bala? Mas o trem-bala não dá retorno nem entre Rio e São Paulo. Onde dará? Melhoria no transporte? Há oferta de transporte entre as duas cidades, com carências, mas carências que não demandam R$ 34 bilhões para serem resolvidas. Mas faltam aeroportos decentes, faltam caminhos para transportar de modo barato as commodities produzidas no interior e que sustentam o país.

vinit@uol.com.br


Texto Anterior: Cepal diz que Brasil sozinho não contém real
Próximo Texto: Celular em avião depende do consumidor
Índice | Comunicar Erros



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.