São Paulo, quarta-feira, 09 de março de 2011

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MARIO MESQUITA

Contrastes orientais


Na China, o maior desafio é controlar a inflação; no Japão, a preocupação é como escapar da deflação


O DESEMPENHO econômico recente das duas maiores economias asiáticas tem sido marcadamente distinto nos últimos anos.
Enquanto a China avança rapidamente para atingir um patamar intermediário de renda, aquele no qual nos encontramos desde a década de 80, o Japão vive um longo período de estagnação, culminando recentemente com a ultrapassagem pelos vizinhos, que se tornaram a segunda maior economia do planeta, ainda que mantenha padrões de vida e civilidade invejáveis.
Na China, o desafio da hora é controlar a inflação. No Japão, por outro lado, a maior preocupação é como escapar da deflação -que pode ser em parte atribuída ao declínio demográfico do país.
O Japão tem um regime de política econômica mais fácil de entender, partindo de um banco central com autonomia legal, que busca atingir uma meta para a inflação, definida como algo próximo a 1% ao ano, e taxa de câmbio flutuante.
A política fiscal, após longa sequência de pacotes de estímulo, é condicionada por uma dívida equivalente a 200% do PIB.
Esse número exuberante provoca preocupação entre economistas e investidores ocidentais e também no país, mas aparentemente não (ainda) entre os investidores locais, que detêm 95% da dívida, seja por questão de hábito ou amparados na noção de que, como o imposto sobre consumo é baixo, 5%, ante mais de 15% em diversos países europeus, a posição fiscal, que também vem sendo negativamente afetada pelo envelhecimento da população, poderia ser rapidamente revertida em caso de necessidade -basta o governo da hora ter força política para elevar a carga tributária.
Ocorre que a situação política no Japão também é complexa, pois o primeiro-ministro, Naoto Kan, que tem uma ambiciosa agenda de reformas, inclusive tributária e da seguridade social, enfrenta dificuldades dentro e fora de seu partido.
Por outro lado, o setor privado japonês gera importantes superavit em conta-corrente, e suas grandes empresas seguem tendo posição de destaque em diversos setores, notadamente o automotivo.
Na China, tudo é mais complicado, a começar pelo regime de política econômica, no qual diversas instâncias têm responsabilidades aparentemente justapostas, e utilizam instrumentos de política com efeitos que se entrecruzam. Mas há uma lógica por trás dessa complexidade.
A prioridade de política atual na China é controlar a inflação, que chega a 5% ao ano, e que o governo prefere ver próxima de 4% ou 3%. Vale lembrar que, a despeito do forte crescimento e da elevação da renda per capita, que deve levar à alta dos preços dos serviços, o governo chinês não compra a ideia da inflação estrutural, que já foi tão popular em nossa região.
O governo da China dá a entender que a inflação é socialmente deletéria e politicamente custosa, e prefere desacelerar o crescimento (ainda que para níveis que a maioria dos demais países gostaria de apresentar) a aceitar a convivência com altas taxas de inflação -no que mostra sabedoria, em contraste com os estruturalistas latino-americanos.
Para controlar a inflação, o governo, por meio de diversas agências, busca controlar a demanda, valendo-se bastante de controles administrativos sobre o crédito e também do ajuste nos depósitos compulsórios. Também nesse caso o governo chinês demonstra maior discernimento que seus congêneres latino-americanos, os quais, às vezes, parecem ter grande dificuldade para entender a relação entre demanda excessiva e inflação, e historicamente têm preferido lançar mão de controles diretos sobre o mecanismo de preços à desagradável tarefa de desaquecer a economia.
Outra lição que aparentemente foi bem entendida pelas autoridades chinesas é que o processo de urbanização requer maciços investimentos em infraestrutura social. A China, ainda um país semirrural, se depara com escassez de mão de obra e expressivas altas salariais nas cidades, mas as autoridades procuram administrar a velocidade da urbanização de forma a ganhar tempo para a construção das moradias, dos hospitais e das escolas necessários para acolher condignamente a população.
Em suma, querem urbanização sem favelização, o que também parece fazer bastante sentido.

MARIO MESQUITA, 44, doutor em economia pela Universidade de Oxford, escreve quinzenalmente, às quartas-feiras, neste espaço.

AMANHÃ EM MERCADO:
Márion Strecker



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