São Paulo, terça-feira, 09 de novembro de 2010

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VINICIUS TORRES FREIRE

Obama cutuca a China


EUA querem Índia no topo da ONU e provocam a China antes de cúpula econômica envenenada por conflitos


ESTADOS UNIDOS e Índia formam a "parceria decisiva" do século 21, disse Barack Obama ao apoiar a candidatura indiana a uma vaga permanente no Conselho de Segurança (CS) da ONU, um sonho luliano insatisfeito. O CS é um clube da Guerra Fria, EUA, Rússia, China, Reino Unido e França, os quais têm o poder de vetar as decisões cada vez mais irrelevantes do Conselho a respeito da política mundial.
Obama viaja pela Ásia. A China não está no roteiro. Na quinta-feira, começa na Coreia do Sul a reunião do G20. O assunto será câmbio e seus efeitos sobre comércio e finança mundiais. Os EUA querem que se faça um "acordo" de limitação de deficit e superavit comerciais (que China, Alemanha e Japão exportem menos), sem abrir mão de nada, menos ainda de sua criticada política monetária expansionista ("impressão" de dólares à tripa forra).
Faz meses, os americanos desenvolvem seu plano de isolar a China politicamente a fim de condenar a "manipulação do yuan" e o modelo de crescimento via investimento maciço e exportações dos chineses.
A China não gosta da ascensão da Índia, assim como o Paquistão, um "aliado cavalo de Troia" dos EUA, chamado de "ninho de terroristas" pelos rivais indianos. A China é uma ditadura. A Índia, apesar de sua magnífica confusão social e étnica, é uma democracia.
Segundo entendidos em Índia, muitas lideranças indianas relevantes não ligam muito para a vaga no CS da ONU, embora gostem do rapapé americano. Os americanos dizem que o caminho da Índia até o CS da ONU seria longo e incerto. Qual é a jogada, pois? Os EUA querem dar canelada adicional na China.
No início do governo Obama, imaginava-se que a diplomacia americana entraria numa era de diálogo e pacificação, com foco especial no Oriente Médio. O Oriente Médio ainda é um pandemônio, mas por ora ao menos sai do foco.
O 15 de setembro de 2008 (quebra do Lehman Brothers e estouro decisivo da crise) vai tomando o lugar do 11 de setembro na política externa dos EUA. O assunto agora é finança internacional e China.
Os EUA fizeram do Iraque um protetorado e mais não podem fazer sem que percam ainda mais dinheiro e muitas vidas por lá. A Palestina é uma história sem fim, quase esquecida. O Afeganistão, seus talibans e terroristas de outra espécie são um caso insolúvel a não ser que se reduza o país a pó de traque, via bombardeios, e pesado deslocamento de infantaria, o que deixaria um número insuportável de mortes americanas, o que já era inviável na época do Vietnã, que dirá agora.
Ironia da história, o Vietnã tornou-se uma irrelevante ditadura de mercado, uma fábrica de coisas projetadas nos EUA, parte do complexo econômico liderado pela China.
Os americanos não vão encontrar um ambiente nada agradável na cúpula do G20, na Coreia do Sul. Alemães e, ironia suprema, a China dizem que o plano americano de limitação de "desequilíbrios comerciais" cheira ao mofo da "economia planificada" (socialista ou algo assim). Brasil e África do Sul criticam os americanos. Os americanos não têm como reverter sua política econômica sem correr o risco de desarranjo sério. A China também não pode mexer rapidamente em seu modelo, pelo mesmo motivo. O que pode sair disso além de inércia?

vinit@uol.com.br


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