São Paulo, terça-feira, 09 de novembro de 2010

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Corte na Irlanda assusta mercado e eleitor

Sob impacto da redução de € 6 bilhões no orçamento, juros de títulos públicos sobem pelo décimo dia seguido

População aguarda com pessimismo orçamento de 2011, que deve trazer redução das despesas sociais e mais impostos

Mariana Schreiber/Folhapress
O desempregado Craig Wightman, 36, que vive hoje dos trocados que recebe escrevendo, com giz colorido, pedidos de ajuda nas calçadas de Dublin

MARIANA SCHREIBER
ENVIADA ESPECIAL A DUBLIN

Na quarta da semana passada, o taxista Julie Doyle já vai logo avisando a quem acaba de desembarcar no aeroporto de Dublin: "Más notícias, o centro está parado por causa da manifestação de estudantes".
O motivo? "O governo quer dobrar a taxa de inscrição no ensino universitário para 3.000."
O protesto reuniu 25 mil pessoas. Por ora, tais manifestações não são comuns.
"Ainda não. Mas, depois de 6 de dezembro, talvez."
A data é quando o governo anunciará o Orçamento para 2011, detalhando quais áreas serão afetadas por cortes de gastos e aumento de impostos. Nas ruas de Dublin, só se fala nisso. A expectativa é de menos despesas sociais.
O montante total da tesourada foi anunciado na última semana: € 6 bilhões (R$ 14,2 bilhões) serão contingenciados do Orçamento.
É apenas a primeira parte de um total de € 15 bilhões (R$ 35,5 bilhões) que devem ser economizados até 2014.
"Será um desastre", sentencia Doyle, que dois anos atrás trabalhava como chofer. "Após a crise, o mercado acabou. Como taxista, estou apenas sobrevivendo."
O objetivo da contenção de gastos é tentar reduzir o deficit público para cerca de 3% do PIB em 2014 e reconquistar a confiança do mercado, que tem cobrando taxas altas para financiar o governo.
A projeção do ESRI (Instituto de Pesquisa Econômica e Social da Irlanda) é que o deficit atingirá 31% do PIB em 2010, devido ao custo de resgate ao setor financeiro do país, que já somou € 42,1 bilhões (R$ 97,45 bilhões), ou 26,3% do PIB do país.

DESCONFIANÇA
O esforço do governo para tranquilizar o mercado, no entanto, não surtiu efeito, e os juros dos títulos irlandeses com vencimento em dez anos subiram na tarde de ontem pelo décimo dia, atingindo 7,87%, um recorde de 5,48 pontos percentuais acima da taxa paga pela Alemanha.
Com a alta das taxas, o governo só pretende voltar ao mercado em 2011.
Mas a manutenção dos juros em níveis elevados tem aumentado a expectativa de que a Irlanda será o primeiro país a acessar o fundo de € 750 bilhões (R$ 1,7 trilhão) criado por União Europeia e FMI em maio para financiar governos europeus.
O economista John FitzGerald, do ESRI, discorda. Ele lembra que o governo tem em caixa € 25 bilhões e mais € 15 bilhões investidos em ações, o que deve ser suficiente até o próximo ano.
Um dos motivos da desconfiança que alimenta a alta dos juros é a instabilidade política. A grande insatisfação popular deve levar à antecipação das eleições parlamentares, de 2012 para meados do ano que vem.
A atual coalizão que sustenta o primeiro-ministro, Brian Cowen, deve perder a maioria no Congresso.
"Se fôssemos franceses, tiraríamos eles à força do governo", diz o desempregado Craig Wightman, 36, que vive dos trocados que recebe enquanto escreve, com giz colorido, pedidos de ajuda nas ruas de Dublin. Ele diz que ficou sem dinheiro para pagar o aluguel após a quebra da sua empresa (de entrega de documentos), há três anos.
Apesar de todos os problemas, um relatório da ONU divulgado na última semana mostra que a Irlanda ainda é o quinto melhor lugar para morar no mundo. A expectativa de vida é de 80,3 anos, a renda per capita é de US$ 33.078 e a escolaridade média soma 11,6 anos.


A jornalista MARIANA SCHREIBER
viajou a convite do governo da Irlanda


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