São Paulo, terça-feira, 10 de agosto de 2010

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VINICIUS TORRES FREIRE

A pichação do BNDES


Bancão estatal poderia apanhar menos se abrisse dados sobre suas operações, feitas com dinheiro público


O BNDES entrou num corredor polonês de pichação. Uma crítica diz que "desenvolvimentistas", "keynesianos" e estatistas em geral exageram o papel dos empréstimos do banco estatal na contenção da crise de 2008. A crise teria sido apenas um pretexto para o governo emprestar R$ 180 bilhões ao BNDES no biênio 2009-10, um álibi para o governo intervir mais. O dinheiro novo teria começado a pingar depois que a crise amainara, em meados de 2009.
É mais ou menos verdade. Os bancos públicos foram responsáveis por 35% do total do aumento do financiamento bancário entre janeiro e agosto de 2008. Os bancos públicos afora o BNDES fizeram 25% do total do aumento do estoque de crédito; o BNDES, 10%. No início da crise, setembro de 2008 a março de 2009, os bancos públicos fizeram 65% da alta do crédito; 36,5% nos outros estatais e 28,5% no BNDES.
No fim das contas, o BNDES não aumentou sua fatia no mercado de crédito. Além do mais, o relaxamento dos compulsórios (dinheiro dos bancos parado no BC) induziu os bancos privados a não fecharem ainda mais sua retranca.
Diz-se que o Tesouro fez R$ 180 bilhões de dívida cara e emprestou dinheiro ao BNDES, que, por sua vez, repassou-o baratinho a empresas. Dinheiro dos impostos foi, pois, emprestado a juros subsidiados, sem aval do Congresso. É verdade.
Diz-se que grandes empresas poderiam recorrer ao mercado; não precisam do BNDES. Mais ou menos verdade. Se tivessem crédito mais baratinho e fácil em outro lugar, as empresas não iriam ao BNDES.
Diz-se que o BNDES distorce a alocação do capital: induz investimentos que não seriam viáveis sem os juros e prazos de pais para filho do BNDES. Mais ou menos. Primeiro, o país é cheio de distorções -impostos altos, juros altos etc. Se fôssemos esperar o Brasil se adequar ao manual de economia, pararia tudo. Segundo, é discutível a competência alocativa do mercado. As crises de 1997 e 2008-09 indicam quão catastroficamente porca pode ser a alocação de capital até entre os capitalistas mais paradigmáticos e "científicos", os financistas.
Sim, o governo, via BNDES, inventa investimentos inviáveis, como o trem-bala. Por outro lado, a taxa de inadimplência do BNDES é baixa. Empresta para negócios ruins? Não. Além do mais, o empresário brasileiro é conservador demais. Pode ser que tenha ficado assim devido à tutela do Estado. Mas, sem BNDES, muito investimento não sai.
O BNDES financia fusões. Diz que não as subsidia, pois o dinheiro que empresta para esse fim é captado pelo banco a taxa de mercado. Queria ver as empresas captarem dinheiro a preço de BNDES no mercado. Mas há subsídio implícito. O BNDES, intermediário desses empréstimos, é um garantidor, um seguro. Usa o aval do Tesouro para conseguir dinheiro barato para empresas. No mais, os empréstimos subsidiados e aqueles para fusões vão muita vez para a mesma empresa. Logo, o banco barateia o custo médio de financiamento das firmas.
Num nível ainda mais geral, o banco transfere renda de impostos e dinheiros semiestatais para empresas. Há benefícios? Há, mais negócios, empresas, empregos, impostos. Difícil medir o ganha e perde. O BNDES diz que vai mostrá-los. Se não for uma gambiarra estatística banal, vai melhorar muito o debate.

vinit@uol.com.br


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