São Paulo, sexta-feira, 12 de novembro de 2010

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Lula joga solução da "guerra" para pós-G20

Presidente diz que líderes farão debate político sobre câmbio, mas parte técnica só será costurada na cúpula de 2011

Lula diz que é preciso chamar os EUA à responsabilidade pelo efeito que injeção de US$ 600 bi traz a países

Yang Hoi-Sung/France Presse
Ativistas antiglobalização enfrentam policiais de choque em Seul (Coreia do Sul), palco da reunião de cúpula do G20, que se encerra hoje; próximo encontro será na França, em 2011

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A SEUL

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva de certa forma jogou ontem a toalha quanto a um desenlace mais substancial da cúpula do G20, que pudesse pôr fim ao que seu ministro Guido Mantega batizou de "guerra cambial".
Em entrevista coletiva, Lula disse que líderes fariam o debate político, mas que o debate técnico teria que "ser costurado até a próxima reunião do G20" (em novembro de 2011, na França).
O debate técnico é essencial na conjuntura econômica global. Lula diz que se trata de encontrar "o ponto de equilíbrio para que o presidente [Barack] Obama se sinta confortável; o presidente Lula se sinta confortável e a presidente Cristina [Kirchner, da Argentina] se sinta confortável".
À noite, no discurso durante o jantar de inauguração da cúpula, o presidente foi menos coloquial e mais técnico: "As economias que emitem moeda de reserva devem administrar a liquidez internacional com sentido coletivo".
Tradução: os Estados Unidos não deveriam despejar US$ 600 bilhões para irrigar sua economia, como anunciaram, sem atentar para os efeitos nos demais países.
Depois, o presidente mirou "os maiores países, inclusive os emergentes, [que] não devem manter taxas de câmbio desvalorizadas buscando assegurar artificialmente fatia do mercado global atrofiado".

FALÊNCIA DO MUNDO
Antes, na entrevista coletiva, Lula havia dito que, "se os países mais ricos quiserem lastrear suas economias nas exportações, o mundo irá à falência, porque precisa alguém para comprar".
Por fim, a defesa dos outros emergentes, Brasil inclusive, que, "ameaçados pelo fluxo de capital especulativo e pela valorização de suas moedas, são obrigados a adotar medidas defensivas".
Durante e depois do jantar, os negociadores voltaram à busca do equilíbrio que dê a todos o conforto desejado por Lula. Como é tarefa complexa, acabaram definindo uma meta modesta para a quinta cúpula do grupo: apenas interromper o visível desgaste da unidade do conglomerado.
Esse estado de espírito permeou o discurso de Lula, que pediu "recuperar o espirito de solidariedade e cooperação" no G20.
A unidade foi o motor que permitiu ao grupo consolidar-se como foro privilegiado de discussão da economia global e como motor da reativação, ainda que esteja sendo desigual.
Manter a unidade requer, inexoravelmente, deixar para mais adiante entrar nos detalhes técnicos que permitam reequilibrar a economia global.

NOVA SIGLA
O modelo para tanto já foi aprovado anteriormente e tomou a forma de uma nova sigla, conforme a Folha antecipou ontem: é MAP ("Mutual Assessment Process" ou Processo de Avaliação Mútua), mecanismo pelo qual serão colhidos dados de cada país do G20 e submetidos ao teste de seu impacto sobre os demais, sob supervisão técnica do FMI.
Lula, avesso a siglas tecnocráticas, dá a sua visão do mecanismo, mais direta:
"Discutir no G20 os reflexos nos outros países [das decisões de cada um], porque o G20 não é cada um por si e Deus por todos, mas todos por todos e Deus por todos".
Nessa busca pelo conforto e pela unidade, Lula até esvaziou parte da pressão que os EUA sofrem de quase todos os parceiros, por conta da decisão de irrigar sua economia com US$ 600 bilhões nos próximos oito meses.
Parte desse dinheiro iria para emergentes, valorizaria ainda mais suas moedas e, em consequência, dificultaria suas exportações.
"Não se trata apenas de pressionar os Estados Unidos. A coisa não funciona assim. Os Estados Unidos tomaram as medidas que tomaram em função da visão que eles têm. Vamos respeitar isso", disse Lula.
Mas, acrescentou o presidente, "vamos chamá-los à responsabilidade pelo efeito que [essas medidas] trazem a outros países".

DIPLOMATIQUÊS
É mais ou menos assim que terminará a cúpula: um documento final redigido no diplomatiquês de praxe, de tal forma que cada país possa interpretá-lo de acordo com sua visão e com seus interesses políticos internos, sem apontar o dedo para este ou aquele.
Mas um texto que deixe aberta a porta para as negociações que levem a acordos mais substanciais no futuro, de preferência próximo.
Tanto é assim que a França, que assume amanhã a presidência do G20, já anunciou que a sua agenda para a próxima cúpula estará centrada na "reforma do sistema financeiro global", rótulo amplo o suficiente para acomodar uma discussão abrangente.
Dessa forma, salvam-se da cúpula de Seul dois avanços importantes que acabaram ofuscados pela questão cambial: a reforma do Fundo Monetário Internacional, que dá mais poderes aos emergentes (e, no caso do Brasil, coloca-o entre os dez maiores cotistas); e os novos mecanismos para a banca, destinados a tentar evitar a repetição da crise financeira de 2008/09.


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