São Paulo, quarta-feira, 13 de julho de 2011

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MARIO MESQUITA

Recordando 2001


Megatrocas de dívida podem, dependendo das condições, ser contraproducentes

TENDO EM vista a gravidade da situação europeia, vale recapitular um episódio relativamente recente de crise soberana que marcou os mercados brasileiros: o colapso argentino de 2001.
Vários economistas argentinos associam à desvalorização brasi- leira de janeiro de 1999, que teria roubado competitividade ao peso, o início da crise.
Sem discutir o mérito dessa tese, o fato é que a flutuação do real no mínimo animou o debate no país vizinho, a ponto de o então presidente Menem ter que ir a público defender a paridade.
Durante a campanha eleitoral de 1999, o tema da dívida externa faz parte do debate, inclusive dentro do peronismo, que ocupava o governo.
O candidato da oposição, Fernando De La Rúa, do partido Radical, acaba vencendo, com votação expressiva, depois de manifestar apoio à continuidade do regime.
O novo governo logo percebeu que era preciso adotar reformas microeconômicas, em especial aumen- tar a flexibilidade do mercado de trabalho, para poder manter o regime cambial.
A tramitação dessas reformas é difícil, gera greves e protestos sindicais. As reformas acabam sendo aprovadas, mas o processo deixa sequelas que acabam levando à renúncia do vice-presidente, em novembro de 2000, e ao enfraquecimento político do governo.
A crise ganha intensidade em março de 2001, com a renúncia do então ministro da Economia, José Machinea, que é substituído por Ricardo López Murphy. Este anuncia um programa de austeridade fiscal, que é rejeitado pelos membros de esquerda da coalizão governista, a Frepaso, cujos ministros renunciam em bloco.
Com isso, a tentativa de choque ortodoxo é rejeitada, López Murphy cai e é substituído por Domingo Cavallo, responsável pela introdução do regime de conversibili- dade em 1991.
Nesse meio-tempo, as agências de classificação de risco rebaixam a Argentina -desenvolvimentos que foram de certa forma repli- cados na Grécia recentemente.
Assim como na crise europeia, iniciativas de angariar, de forma mais ou menos voluntária, apoio do setor privado também ocorreram.
Em abril de 2001, Cavallo conclama as grandes empresas a comprar "bônus patrióticos" no valor de US$ 1 bilhão. A isso se segue o chamado "megacanje", que busca alongamento voluntário (a um custo exorbitante) dos pagamentos.
Essa foi uma tentativa de aliviar a pressão sobre a liquidez externa da Argentina, ao custo de tornar a solvência ainda mais problemática -um estudo recente dos auditores independentes do FMI mostra que o "swap" obteve uma economia de US$ 15 bilhões nos primeiros cinco anos, ao custo de aumentar a dívida em US$ 65 bilhões.
Em julho, o governo aprova um novo programa fiscal, o chamado plano de deficit zero, a despeito de crescentes dificuldades políticas.
Nos meses seguintes a crise segue padrão recorrente: erosão do apoio político e social ao regime (o que já vemos na Grécia), apoio renovado do FMI e rebaixamento da classificação de crédito.
A crise caminha para seu desfecho no último trimestre de 2001. Em meados de outubro, a oposição peronista ganha as eleições legislativas e captura o Congresso, bloqueando a capacidade do governo de aprovar novas medidas.
Novo rebaixamento de "rating" ocorre em novembro, quando o país passa a viver uma incipiente corrida bancária.
No início de dezembro, o governo adota controles de capitais e aplica um congelamento parcial dos depósitos bancários (o chamado "corralito"), para conter a corrida bancária. Finalmente, após uma série de distúrbios e crescente violência, Cavallo e De La Rúa renunciam.
Em 23 de dezembro de 2001 o novo presidente, Rodríguez Saá, decreta a moratória da dívida.
Existem, é claro, diferenças importantes, afinal a Argentina não havia adotado o dólar como moeda nem fazia parte de um bloco poderoso como a União Europeia, mas ficam as lições: megatrocas de dívida podem, dependendo das condições, ser contraproducentes, a situação política local deve ser monitorada com cuidado e a ruptura final vem quando o público perde a confiança no sistema bancário.

MARIO MESQUITA, 45, doutor em economia pela Universidade de Oxford, escreve às quartas-feiras, a cada 14 dias, neste espaço.

AMANHÃ EM MERCADO:
Alexandre Hohagen


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