São Paulo, quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

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MARIO MESQUITA

A volta da inflação estrutural


Chile e México decidiram alcançar metas de inflação de 3%, não se contentando com 4,5%, como o Brasil

A HIPERINFLAÇÃO brasileira de 1980-1994 teve gênese longínqua, uma vez que a inflação começou a se descolar consistentemente das taxas verificadas nos parceiros comerciais a partir da Segunda Guerra Mundial.
A longa convivência de nossa economia com taxas de inflação elevadas, muito elevadas (ou estratosféricas), só se mostrou sustentável no tempo porque, por um lado, as camadas mais influentes da sociedade na indústria e nas finanças, bem como nos segmentos mais organizados do operariado, sofriam relativamente menos, ou até se beneficiavam, da degradação do padrão monetário, visto que, ao contrário das camadas de baixa renda, tinham crescente acesso a sofisticados e efetivos mecanismos de proteção anti-inflacionária.
Por outro, diante da proposição geralmente aceita entre os economistas profissionais de que a inflação é um problema macroeconômico severo, que deriva essencialmente de descontrole monetário, sempre houve um amplo grupo de economistas e de cientistas sociais disposto a argumentar que, "no Brasil, é diferente".
As diferenças seriam que nossa economia teria descoberto, por meio da indexação, formas de lidar com as consequências da inflação, como o aumento do risco e o encurtamento de prazos. A inflação, por sua vez, seria inevitável, derivada de aspectos fundamentais de nossa estrutura econômica.
Atualmente, exceto por um saudosismo mais emocional do que racional em relação aos anos 1970, não há quem defenda abertamente a posição de que a inflação pode ser tornada indolor. Mas a tese da inflação estrutural ainda encontra defensores -e de fato ressurge sempre que os preços se aceleram, como vem ocorrendo.
Há várias vertentes da tese da inflação estrutural, mas, em geral, esta se baseia na ideia de que características da estrutura produtiva, como gargalos crônicos na produção e na distribuição de alimentos, bem como a presença de monopólios e de oligopólios, geram inflação. O forte crescimento da oferta agropecuária brasileira nas últimas décadas (uma história de sucesso em escala global) desmente o primeiro aspecto da tese, o segundo confunde preços elevados (nível) com inflação elevada (taxa de variação).
Outra explicação não monetária para a inflação, que tem aparentemente fundamentos mais sólidos, associa esta à tendência de elevação do preço relativo dos serviços, típica de economias que estão enriquecendo e amadurecendo.
É fato que nas economias ricas os serviços são mais caros do que nas pobres -compare-se, por exemplo, o custo de um corte de cabelo em Londres e um em Mumbai. Também é verdade que esse processo de encarecimento dos serviços se dá ao longo de décadas, em paralelo ao enriquecimento da economia.
Não é verdade, por outro lado, que um processo de mudança de preços relativos tenha necessariamente que ser acompanhado por inflação muito maior do que nos parceiros comerciais. O exemplo das economias asiáticas mostra que, desde que as políticas macroeconômicas sejam adequadas, é possível acomodar a mudança de preços relativos em um ambiente de inflação baixa.
A propósito, segundo dados do FMI (Fundo Monetário Internacional), as economias em desenvolvimento da Ásia cresceram, em média, 8,4% ao ano entre 2000 e 2007, com inflação média de 3,7%.
Na América Latina, o crescimento médio no período foi de 3,7%, e a inflação, de 7,1%. A julgar pelas taxas de crescimento, os preços relativos dos serviços deveriam estar crescendo mais rapidamente na Ásia, que deveria estar convivendo com taxas de inflação mais altas.
Entretanto, essa região teve sucesso em manter a inflação em patamares mais civilizados do que a América Latina -políticas econômicas fazem diferença.
Para concluir, vale notar que a tendência à elevação dos preços relativos não é ignorada pelos economistas e governantes chilenos e mexicanos, e, no entanto, esses países decidiram perseguir metas de inflação de 3%, não se contentando com os 4,5% (podendo chegar a 6,5%) ainda vigentes em nossa economia.

MARIO MESQUITA, 44, doutor em economia pela Universidade de Oxford, escreve quinzenalmente, às quartas-feiras, neste espaço.

AMANHÃ EM MERCADO:
Márion Strecker


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