São Paulo, segunda-feira, 16 de maio de 2011

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MARIA INÊS DOLCI

Atendimento mixuruca


Como há muitas pessoas consumindo, as empresas se sentem à vontade para tratá-las com desleixo


FALTAM TÁXIS nas principais capitais brasileiras. Em geral, os serviços nos aeroportos são ruins. Não é raro o passageiro estar dentro da aeronave, certo de que o voo começará em alguns minutos, e ser convidado a sair porque vai atrasar. Não há vagas suficientes em hotéis, que aproveitaram a deixa, ao menos em São Paulo, para majorar as diárias em dois dígitos.
Caiu o nível do atendimento em cafés, em bares, em restaurantes e em lojas.
Manobristas deixam seu carro na rua, embora propaguem ter seguro contra roubos e acidentes, e local coberto para guardar o veículo. E cobram caro por isso.
Por que os brasileiros recebem esse tipo de tratamento? Decorre de a demanda continuar aquecida, em que pesem a retomada inflacionária e as medidas para conter a expansão econômica.
Como há muitos consumindo, as empresas se sentem à vontade para tratar os clientes com desleixo. E não estamos falando de um período superaquecido por uma Copa do Mundo ou uma Olimpíada.
A aceleração do crescimento pós-crise a partir do segundo semestre de 2009 desnudou um dos piores problemas do consumidor por aqui: ou é caçado por vendedores quando os negócios estão em baixa ou menosprezado se muita gente vai às compras.
Fala-se demasiado em "fidelizar" compradores, mas se percebe que há marketing demais e realidade de menos nessa afirmação.
É evidente que o treinamento das equipes não é adequado às relações de consumo. As metas de vendas comprometem, também, a qualidade desse serviço.
Se uma pessoa resiste a comprar mais, torna-se um entrave aos empregados, que são pressionados a "empurrar" produtos a pessoas que já escolheram o que gostariam de adquirir.
Há outra grande dificuldade: o despreparo e o investimento insuficientes para se adequar ao envelhecimento da população. Idosos costumam ter um ritmo de tempo diferenciado em suas atividades. Necessitam de atendimento personalizado e, muitas vezes, aquela ida ao banco é a única oportunidade de ver outras pessoas e de conversar.
Logo, deveria haver mais caixas e mais profissionais para atendê-los, a fim de que não se formassem longas filas. Não é o que ocorre, inclusive nas farmácias.
A exposição dos preços dos produtos em lojas e em supermercados também é confusa. Alimentos são vendidos com pesos e medidas diversos, dificultando a identificação dos mais baratos e dos mais caros.
Só há uma maneira de mudar esse cenário negativo: a mobilização da população na defesa de seus direitos, denunciando maus-tratos e desrespeito. Melhoraria muito se houvesse efetiva educação para o consumo, informando crianças e jovens sobre o Código de Defesa do Consumidor e como aplicá-lo.
Empresas gostam de falar em autorregulamentação. Nada contra, mas deveriam antes pensar em mudar suas práticas.
Isso vale também para o comércio virtual. Casos emblemáticos são os das Americanas.com e da Submarino, ambas marcas da B2W. No Natal do ano passado, houve atraso na entrega das compras, o que, se já irrita em qualquer época, torna-se bem pior quando colegas, amigos e parentes não recebem seus presentes.
No ranking Exame/Instituto Brasileiro de Relacionamento com o Cliente, Submarino (1º) e Americanas.com (3º) estão entre as que pioraram o atendimento em 2010. Em segundo lugar ficou a TAM.
Isso replicou o que já fora registrado nas reclamações aos órgãos de defesa do consumidor. Mais do que os problemas, o que pesou contra as três empresas foi a demora em solucioná-los.
Erro incompatível com a era das redes digitais e da tecnologia avançada em todos os níveis. Seria bem melhor transformar a forma de agir do que perder a reputação.
Sem ela, o futuro da atividade empresarial terminará logo ali adiante. E o custo para reverter a imagem negativa de milhões de pessoas será quase insuportável, em todos os aspectos. Por que não mudar, então?

MARIA INÊS DOLCI, 56, advogada formada pela USP com especialização em business, é especialista em direito do consumidor e coordenadora institucional da ProTeste Associação de Consumidores. Escreve às segundas-feiras, a cada 14 dias, nesta coluna.
Internet: mariainesdolci.folha.blog.uol.com.br

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