São Paulo, quarta-feira, 18 de maio de 2011

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MARIO MESQUITA

Norte, Sul, Leste e Oeste


O Brasil recusou o livre comércio nas Américas, apontado como ameaça à indústria doméstica


HÁ ALGO de novo na América Latina. A inédita resiliência demonstrada pelo sistema financeiro da região durante a crise de 2008 e a recessão de 2009 contrastam fortemente com a sucessão de crises cambiais que marcou a parte final dos anos 90, e ainda mais com a década perdida dos anos 80, quando nossas economias se caracterizaram por hiperinflações, planos econômicos tão agressivos quanto ineficazes e pela crise da dívida externa.
Mas, se a resiliência financeira na crise foi generalizada, o desempenho econômico, antes e depois dela, e as perspectivas são mais heterogêneos. Pode-se dividir a região, grosso modo, em duas metades. O Norte, intensivo em mão de obra, e voltado para exportações de manufaturados, desde automóveis mexicanos até têxteis centro-americanos, sofreu um choque negativo com a competição da China, especialmente no mercado americano, e viveu uma década de ajuste, caracterizada por ganhos salariais moderados e crescimento modesto da renda. A moderação salarial foi a resposta da economia ao desafio de restaurar a competitividade perdida -em particular ante os produtos chineses.
É interessante notar que o custo horário salarial médio na indústria mexicana em dólares, que era o triplo do chinês em 2000/1, atualmente encontra-se pouco mais de 10% acima do mesmo -desvantagem essa que tende a ser compensada pelo menor custo de transporte.
Com isso, a fatia de mercado do México nas importações de manufaturados dos EUA, que havia caído entre 13% e 11% em 2001/5, recentemente chegou ao recorde de 14%. Para o Sul, a entrada da China na corrente de comércio internacional constituiu um forte choque positivo.
A demanda chinesa por matérias-primas levou a elevação importante dos preços das exportações, reforçando o balanço de pagamentos e permitindo fortes incrementos de renda e rápida expansão da demanda doméstica.
Até cerca de 2007, tal cenário foi inequivocamente favorável, mas a partir daí, quando os preços de commodities, e o boom das economias sul-americanas, começaram a gerar pressões inflacionárias mais fortes, o impacto positivo passou a ser provavelmente excessivo.
Tudo se modificou, temporariamente, na crise, mas desde o final de 2009 certas economias passaram a se comportar de forma muito semelhante ao período anterior.
Há também uma divisão nítida entre as preferências de política econômica nas duas costas da América Latina. Países da costa oeste, com acesso ao Pacífico, como México, Colômbia, Peru e Chile, optaram pela integração crescente na economia mundial e um tripé macroeconômico calcado no regime de metas para a inflação, câmbio flutuante, gestão fiscal bastante prudente e ação limitada do Estado na promoção do desenvolvimento.
Países da costa leste, voltados para o Atlântico, optaram por políticas de comando e controle estatal, com viés mais (Venezuela) e menos (Argentina) socializante, e, coerentemente com o histórico da macroeconomia heterodoxa, com sacrifício da estabilidade de preços.
O Brasil, por muito tempo, apesar da localização, seguia basicamente o modelo da costa oeste, a despeito de manter um regime comercial consideravelmente mais fechado do que os países do Pacífico.
Mais recentemente, a política econômica, para certos analistas que levam muita fé no aumento do ativismo estatal, parece querer emular as práticas da costa leste, em um, nesse ponto de vista, tardio mas bem-vindo realinhamento ideológico à nossa posição geográfica.
Mesmo assim, até o momento, o que tem diferenciado de forma mais consistente o Brasil do modelo da costa oeste é a posição quanto às relações comerciais. O Brasil recusou com veemência o livre comércio nas Américas, tido como ameaça à sobrevida da indústria doméstica.
Não deixa de ser algo irônico que a retomada da economia mexicana seja liderada pelas exportações da indústria de transformação, enquanto aqui vivemos da expansão do consumo (com forte componente importado) e que muitos daqueles que comemoraram o fracasso da Alca, como garantia de um futuro seguro para o setor manufatureiro, agora anunciem a iminente desindustrialização do país.

MARIO MESQUITA, 45, doutor em economia pela Universidade de Oxford, escreve às quartas-feiras, a cada 14 dias, neste espaço.

AMANHÃ EM MERCADO:
Alexandre Hohagen


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