São Paulo, sábado, 18 de junho de 2011

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ROBERTO RODRIGUES

Le Pera e Carybé, Pelé ou Maradona


Nas questões comerciais, os governos de Brasil e Argentina deveriam se unir em prol do Mercosul


ESTAMOS NO MEIO de mais uma disputa comercial com a Argentina.
O governo brasileiro, corretamente, impôs algumas dificuldades às exportações do país vizinho para o nosso, para mostrar que também temos posição firme. Com alguma frequência no passado recente, a Argentina tomou medidas restritivas às importações de nossos produtos, notadamente industriais, mas também agrícolas -sem que tivéssemos reagido à altura.
O problema por trás disso é a "desconstrução" do Mercosul. Importantíssimo como marco político, o Mercosul vai tropeçando nessas posições unilaterais de países-membros e nunca se consolida.
Nem mesmo as questões macroeconômicas fundamentais foram harmonizadas, como a cambial, a monetária (taxas de juros, por exemplo), a tributária e fiscal, entre outras. Também não há harmonia nas políticas setoriais, entre as quais as agrícolas, e seguimos patinando em temas absolutamente essenciais, como a defesa sanitária (que precisa ser continental para acabar com a aftosa, por exemplo), as previsões de safra, a inovação tecnológica e outros.
O bloco não se firma por tudo isso, malgrados os esforços diplomáticos dos governos envolvidos e a vontade empresarial. O discurso é solidário, mas a prática é solitária.
É uma pena! Brasil e Argentina são as duas maiores economias da América do Sul e representam 61% do PIB, 60% da população e 63% da área total dessa parte do Continente. Se trabalhássemos integrados, teríamos um peso determinante para a articulação total da região.
Mas há desconfianças recíprocas históricas, antipatias notórias que deveriam ter desaparecido há décadas, mas que ainda inibem uma aliança estratégica definitiva.
Na agricultura, há um caso totalmente incongruente: a Argentina não tem a menor condição de competir com o Brasil na produção de açúcar. Somos muito mais eficientes. No entanto, nosso açúcar não entra na Argentina porque é taxado com tarifa inibidora do comércio.
É compreensível que o governo proteja seus produtores, ainda que eles não sejam competitivos em relação aos nossos e assim prejudiquem os consumidores de lá. Mas seria tão fácil resolver isso: a indústria canavieira da Argentina poderia produzir etanol, o que é mais fácil porque não é só a sacarose que se transforma em álcool: outros açúcares também, de modo que o etanol deles poderia ser competitivo. Nós compraríamos toda a sua produção e exportaríamos nosso açúcar para lá. Seria um jogo de ganha-ganha, em que ninguém perderia.
Mas vai convencê-los disso! As idiossincrasias falam mais alto, de ambos os lados. E isso é outra pena. Para que discutir se Pelé é melhor que Maradona? Eles acham que Maradona é melhor, acreditam nisso piamente. E nós sabemos que o Rei é nosso. E daí?
Melhor seria lembrar que Carybé, o grande pintor baiano, era argentino. Hector Julio Páride Bernabó -apelido dado a Carybé quando era escoteiro, referindo-se a um peixe- nasceu na Argentina, passou a infância na Itália e a adolescência no Rio de Janeiro, onde estudou artes plásticas.
Apaixonou-se por Salvador, para onde foi em 1950, e sete anos depois naturalizou-se brasileiro, transformando-se num dos maiores artistas brasileiros: foi pintor, ceramista, desenhista, muralista, ilustrador, escultor, pesquisador, historiador e jornalista. Registrou em suas obras a "baianidade" como ninguém, e, em 1955, foi premiado na 3ª Bienal de São Paulo como o melhor desenhista da exposição.
Em compensação, Le Pera, nascido no Bexiga, em São Paulo, em 1900, foi o maior parceiro de Carlos Gardel, letrista incomparável dos grandes tangos argentinos "Cuesta Abajo", "El Día que me Quieras", "Por una Cabeza" e tantos outros. Morreu com Gardel em 1935, num desastre aéreo em Medellín.
Devíamos esquecer de Pelé e de Maradona e construir nossa estratégia com Carybé e Le Pera: eles influenciaram até as culturas dos dois países. Seu exemplo pode ajudar a integração.

ROBERTO RODRIGUES, 68, coordenador do Centro de Agronegócio da FGV, presidente do Conselho Superior do Agronegócio da Fiesp e professor do Depto. de Economia Rural da Unesp - Jaboticabal, foi ministro da Agricultura (governo Lula). Escreve aos sábados, a cada 14 dias, nesta coluna.

rr.ceres@uol.com.br

AMANHÃ EM MERCADO:
Fábio Barbosa


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