São Paulo, domingo, 20 de fevereiro de 2011

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

NOURIEL ROUBINI

Nosso mundo G-zero


O vácuo de poder deixado pelos EUA reforça a falta de liderança econômica e política que existe no G20


VIVEMOS EM UM MUNDO no qual, em tese, a condução das questões políticas e econômicas mundiais cabe ao Grupo dos 20 (G20).
Na prática, não existe liderança mundial, e há fortes divergências e desacordos entre membros do G20 quanto a políticas monetária e fiscal, taxas de câmbio, ambiente, comércio, estabilidade financeira, sistema monetário, segurança energética e segurança alimentar.
As grandes potências no momento consideram todas essas questões assuntos de soma zero e não de soma positiva -para alguém ganhar, alguém precisa perder. Em resumo, vivemos em um mundo G-zero.
No século 19, a potência estabilizadora era o Reino Unido. O império britânico impunha ao mundo as vantagens do livre comércio, da livre movimentação de capital, do padrão-ouro e da libra esterlina como moeda mundial de reserva.
No século 20, esse papel passou a ser dos EUA, que impuseram a Pax Americana, dominaram as instituições do pacto de Bretton Woods -o FMI, o Banco Mundial e, posteriormente, a OMC- e determinaram as regras mundiais de comércio e finanças, com o dólar como principal moeda de reserva.
Hoje, esse "império" está em relativo declínio. A potência em ascensão, a China, não é uma democracia liberal, segue um modelo de capitalismo de Estado e pega carona no sistema mundial existente em vez de compartilhar da responsabilidade pelo bem comum.
E o yuan está longe de ser uma grande moeda mundial de reserva, quanto mais a divisa dominante.
Esse vácuo de poder reforça a ausência de liderança econômica e política que existe no G20 desde que este sucedeu o G7, no início da recente crise econômica mundial.
De fato, com a exceção da conferência de cúpula de Londres, em abril de 2009, quando surgiu consenso quanto a medidas conjuntas de estímulo monetário e fiscal, o G20 provou ser apenas mais um fórum burocrático, sem acordos sobre questões relevantes.
Como resultado, as potências econômicas estão em disputa quanto à necessidade de mais ou menos estímulo monetário e fiscal. Também existem sérios desacordos sobre reduzir ou não os desequilíbrios mundiais em conta-corrente e sobre o papel que as taxas de câmbio deveriam desempenhar. As tensões cambiais levam a guerras cambiais, que podem resultar em guerras comerciais e em protecionismo.
Falta consenso sobre como reformar a regulamentação e a fiscalização de instituições financeiras e sobre a reforma do sistema monetário internacional. As negociações quanto à mudança do clima terminaram em fracasso, e reinam desacordos sobre como garantir a segurança alimentar e energética.
Quanto às questões geopolíticas mundiais, as grandes potências tanto discordam quanto não são poderosas o suficiente para impor soluções estáveis.
Existem diversas razões para que o mundo do G20 se tenha tornado um mundo G-zero. Primeiro, quando a discussão avança de princípios genéricos para propostas políticas detalhadas, é muito mais difícil chegar a acordos claros entre 20 negociadores do que entre 7.
Segundo, os líderes do G7 compartilham a crença no livre mercado e na democracia. O G20, por outro lado, inclui governos autocráticos com visões diferentes sobre o papel do Estado na economia, o Estado de Direito, a propriedade, a transparência e a liberdade.
Terceiro, faltam às potências ocidentais o consenso político interno e os recursos financeiros para promover uma agenda internacional.
E potências emergentes como China, Índia e Brasil estão concentradas demais no desenvolvimento interno para arcar com os custos financeiros e políticos de novas responsabilidades internacionais.
Pela primeira vez desde o fim da Segunda Guerra, não há um país ou uma forte aliança de países com a vontade política e a influência econômica necessárias para garantir seus objetivos no cenário mundial.
Esse vácuo pode encorajar, como fez em épocas históricas anteriores, as nações mais ambiciosas e agressivas a tentar extrair vantagens.
Um mundo G-zero, sem liderança e cooperação multilateral, oferece equilíbrio instável no que tange à promoção da prosperidade e da segurança econômica mundial.

NOURIEL ROUBINI é presidente da Roubini Global Economics, professor da Escola Stern de Administração de Empresas (Universidade de Nova York) e coautor de "A Economia das Crises". Este artigo foi distribuído pelo Project Syndicate. Tradução de PAULO MIGLIACCI

AMANHÃ EM MERCADO:
Maria Inês Dolci



Texto Anterior: Análise: Trabalho doméstico é eterno refúgio de mulheres pobres
Próximo Texto: Sites de busca: Bing ganha participação, Google perde
Índice | Comunicar Erros



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.