São Paulo, domingo, 20 de fevereiro de 2011

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ANÁLISE

Trabalho doméstico é eterno refúgio de mulheres pobres

HILDETE PEREIRA DE MELO
ESPECIAL PARA A FOLHA

O emprego doméstico é uma das mais antigas formas de trabalho assalariado. É uma tarefa reconhecida como responsabilidade feminina e culturalmente definida como "lugar da mulher".
Essas atividades são realizadas no interior das residências, recebem baixas remunerações e acabam como refúgio de pessoas com baixa escolaridade e sem treinamento na sociedade.
São condições de trabalho marcadas pelo estigma herdado socialmente de desvalorização do trabalho feminino na realização das tarefas de reprodução da vida.
O que explica a existência dessa categoria de trabalhadoras? A explicação mais plausível talvez seja o enorme desequilíbrio existente na distribuição de renda pessoal na sociedade atual.
Isso aliado à difícil conciliação entre família e trabalho, que gera uma demanda permanente por serviços domésticos, especialmente por parte das famílias com crianças pequenas e nas quais as mães trabalham fora de casa.
Reflete-se nos 6,7 milhões de trabalhadoras (PNAD 2009) dedicadas à realização dessas tarefas no país.
A grandeza desse número dá a dimensão das dificuldades encontradas pelas mulheres para conciliar os mundos do trabalho e da família.
Em 2008, depois de ligeiro arrefecimento, a ocupação apresentou 6,2 milhões de pessoas. Mas, no rastro da crise, o desemprego empurrou-as para as residências e a ocupação voltou a crescer.
Foram 500 mil postos a mais.
Em uma perspectiva histórica, no auge do processo de industrialização, houve uma revoada de mulheres pobres do Nordeste para o Sudeste, com epicentro em São Paulo, todas em busca de melhores condições de vida.
Sem qualificação, ficaram nas tarefas secularmente atribuídas às mulheres.
Aparentemente, esse movimento, nos dias atuais, foi em parte substituído por outras mulheres migrantes latino-americanas que, atraídas pela pujança da economia brasileira, dirigem-se para as terras paulistas, os Estados fronteiriços e até para o Distrito Federal.
Não há dados explícitos para avaliar a magnitude da questão, mas os relatos da Pastoral do Migrante mostram o crescimento desse fluxo e as péssimas condições de trabalho dessas mulheres, agravadas pela ilegalidade que cerca a vida de muitas delas.
A situação do emprego doméstico é agravada porque a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) exclui essas trabalhadoras do texto legal.
O trabalho doméstico remunerado é regido por legislação especial, que data apenas de 1972, que define somente alguns direitos legais para as trabalhadoras.
A Constituição de 1988 equiparou os trabalhadores rurais aos empregados urbanos brasileiros, e às domésticas foram estendidos outros direitos, mas sem o conjunto dos direitos trabalhistas que abrangem os demais trabalhadores nacionais.
Essa legislação ainda incompleta de todos os direitos fragiliza ainda mais as mulheres migrantes, muitas sem documentos e, portanto, alvo fácil de situações precárias no exercício do serviço doméstico remunerado.

HILDETE PEREIRA DE MELO é pesquisadora da Faculdade de Economia da Universidade Federal Fluminense.


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