São Paulo, domingo, 20 de março de 2011

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FOCO

Até falta de bife no prato já provocou rebelião em canteiros de obras no país

Isolamento e condições de trabalho precárias deixam "ânimos acirrados" e trabalhadores em estado de tensão permanente

AGNALDO BRITO
CLAUDIA ROLLI
DE SÃO PAULO

Acomodações precárias, banheiros distantes, condições de trabalho insalubres, disputas entre sindicalistas, a falta de um bife no prato de comida. O estopim de uma rebelião no canteiro de uma obra pode surgir do que parece -para quem está longe do isolamento- ser nada.
A fúria dos trabalhadores da hidrelétrica de Jirau, no rio Madeira (RO), uma das mais importantes do PAC, revela o tamanho do desafio de quem comanda essas minicidades. A retomada de obras de infraestrutura no país começa a produzir episódios de conflito desse tipo.
No Ceará, 6.000 trabalhadores que constroem a Termelétrica de Pecém para a MPX (de Eike Batista) e a portuguesa EDP deflagraram uma greve, por conta e risco, sem o controle ou conhecimento do sindicato.
Segundo a entidade, o tratamento desigual entre peões de sete empreiteiras foi o estopim da crise. A greve foi considerada ilegal, e o sindicato enfrenta resistência para o trabalho ser retomado.
Há oito meses, a obra de Santo Antônio -situada a alguns quilômetros rio abaixo da usina de Jirau, no rio Madeira (RO)- foi interrompida. Um grupo ligado à oposição do sindicato organizou uma frente e paralisou o canteiro. Sob a mira de um revólver, muitos trabalhadores não entraram na obra.
A tensão chegou a tal ponto que o engenheiro da Odebrecht José Bonifácio Pinto teve de parar a construção. "Chamei o sindicato, identifiquei a turma e demiti todos por justa causa. Acabou o problema", recorda.
O ambiente rude requer talento para o comando. Um talento que mudou ao longo do tempo. "Antes, o comandante de uma obra era quase um coronel, tinha autoridade", diz o consultor em energia Silvio Areco, engenheiro que acompanhou obras da Cesp. "Hoje, não funciona assim, o peão de obra tem mais autonomia e, por vezes, extrapola esse direito."

PASTOR E PROSTITUTA
Distantes da família e dos amigos, os peões recrutados para as obras distantes têm demandas: seja nos cultos em que pastores "apaziguam os espíritos", seja nos quartos de prostitutas que "apaziguam os instintos".
"Tem de ter lazer, e a empresa sabe disso", diz Geraldino Cruz Nascimento, um dos 50 mil peões que, na década de 80, trabalharam na construção da ferrovia do aço (liga MG ao RJ).
A ferrovia levou 14 anos para ser construída e teve de enfrentar paralisação de quatro meses por causa do tipo de feijão servido. "Como os administradores eram cariocas, só serviam feijão preto. Como a empresa não quis negociar, os ânimos se acirraram e destruíram o alojamento de 5.000 operários."
Em abril de 1980, peões e seguranças da obra da hidrelétrica de Tucuruí (PA) também se enfrentaram após protestos para pedir "um bife" no prato de arroz e feijão e ovo servido.
Em reação à represália dos guardas, os peões malharam um Judas vestido com uniforme dos seguranças na Sexta-Feira Santa daquele ano.
Cerca de 2.000 peões tomaram a guarita de segurança e a central patrimonial da Camargo Corrêa, responsável pela obra.


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