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MARCELO NERI
Asas ao microcrédito
O pobre não deve ser protegido dos mercados; o microcrédito permite alçar voo para outra realidade
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"Dizer que os pobres não podem tomar
empréstimos porque não têm garantia é o mesmo que dizer que o
homem não pode voar porque não
tem asas"
Muhammad Yunus, fundador do Grameen Bank e Prêmio Nobel da Paz de 2006
O CRÉDITO produtivo popular libera os espíritos empreendedores da
baixa renda. Quem quiser conhecer
experiência de microcrédito de qualidade com escala, sustentabilidade, retorno privado -aos clientes-
e, portanto, consequência social
não precisa sair do país ou adentrar aventuras em terras estrangeiras.
Basta visitar o CrediAmigo.
Apesar de pouco conhecido do
público doméstico, em particular no
setor público doméstico, não deixa
nada a dever às iniciativas internacionais, é o segundo maior das Américas, recém-eleito a melhor experiência de microcrédito do continente pela principal agência de "rating"
de microcrédito, o Mix Market.
O CrediAmigo é ligado ao Banco
do Nordeste -público e federal-,
usa sistema de grupo solidário, cobre 60% do mercado nacional de
microcrédito, gera aumento médio
de lucro de 13% por ano de seus
clientes, empresas de fundo de quintal, bares e mercearias até escolas privadas.
A probabilidade de um cliente
que era pobre sair da pobreza em 12
meses após o crédito é de 60%, ante
2% da probabilidade do movimento
em sentido contrário. Isso sem subsídios. O programa gera lucro de
R$°50 ao ano por cliente.
O sentido de reinvenção constante é fundamental em microcrédito.
O Grameen Bank foi inicialmente
denominado de Experimental Grameen na sua fase embrionária, em
1977. Muhammad Yunus compara
os idos do Grameen Bank ao primeiro voo de avião dos irmãos Wright,
ocorrido em 1903.
Em 2007, tive a oportunidade de
conhecer Wilbur Wright, que, além
de responsável por experiências de
microcrédito no Peru pela Fundação Interamericana, é bisneto homônimo de um dos irmãos Wright.
Disse a ele: "Soube que você é ancestral do inventor do avião". Ele
disse, orgulhoso: "Sim, é verdade!".
Completei: "Não sabia que Santos Dumont tinha voado tão longe!".
Na verdade, o voo de Santos Dumont está mais em linha com a sustentabilidade do crédito. Cabe lembrar o espírito pioneiro brasileiro no
campo das microfinanças. No Nordeste, nasceu uma das primeiras
experiências de crédito produtivo
popular do mundo, o Ceape de Pernambuco, ainda em 1972, uma espécie de 14-Bis do microcrédito.
Tão importante quanto a invenção é a difusão. A vantagem do CrediAmigo é a capacidade de replicação em massa, como um desses jatinhos da Embraer que nasceram
com o melhor do espírito público e
da ousadia privada, voando hoje
sobre terras estrangeiras. Enquanto
o Grameen Bank adentra Nova
York, o CrediAmigo já foi exportado
para a cidade do Rio, invertendo os
fluxos esperados de tecnologias.
O norte é o da bússola de Yunus,
produtores pobres e informais. A
ação desejada é ir -e voltar- com microcrédito até onde ele nunca foi -e voltou- antes.
O fato de o CrediAmigo operar
por meio de agentes de crédito incentivados por prêmios salariais,
usando as melhores práticas internacionais de garantias alternativas, confere posição ímpar de chegar à pobreza, sem perder o rumo
na volta dos recursos para poder
sustentar-se. Na verdade, a bolha
que está estourando agora no setor
privado de microcrédito da Índia
vai valorizar o modelo híbrido público-privado do CrediAmigo.
O microcrédito permite ao nanoempresário alçar voo para outra
realidade. Os pobres não devem ser
protegidos dos mercados, a política
deve ser oposta, abrir a eles acesso
sustentável aos mecanismos de
mercado. O bom microcrédito faz isso, sem taxas escorchantes nem
subsídios distorcidos.
Tubarões, os mais ferozes habitantes marítimos, dão apelido aos
agiotas ("sharks"), enquanto o Sol
tem sido usado como símbolo de solidariedade (ex: Banco Sol). Nessa
analogia, a rota do microcrédito é
nem tanto ao mar, nem tanto ao Sol.
É como na instrução mitológica dada a Ícaro por Dédalo, seu pai: voar
a uma altura média, nem tão próximo ao Sol, para que o calor não derretesse a cera que colava as penas
de suas asas, nem tão baixo, para
que o mar não pudesse molhá-las.
MARCELO NERI, 47, é economista-chefe do Centro
de Políticas Sociais e professor da EPGE, na
Fundação Getúlio Vargas.
Internet: www.fgv.br/cps
mcneri@fgv.br
AMANHÃ EM MERCADO:
Gustavo Cerbasi
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