São Paulo, terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

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VINICIUS TORRES FREIRE

Revolução árabe, medo ocidental


Tumulto árabe ajuda a inflacionar petróleo, mas, por ora, pelo menos, não basta para causar choque


AS NOTÍCIAS de guerra civil na Líbia fizeram o preço do barril de petróleo subir 2,6% ontem (do Brent, petróleo cotado numa Bolsa eletrônica para o produto que vem da Europa, do Oriente Médio e da África). O barril do Brent foi a US$ 105.
Na ansiedade crítico-analítica estimulada por nós, jornalistas, há muito "analista de mercado" a dizer à mídia financeira mundial que o petróleo a US$ 120, US$ 130, pode jogar o mundo em nova recessão.
Dita assim, a "análise" não quer dizer nada. Petróleo a US$ 120 quando? Semana que vem? Por quanto tempo? Até o final do ano?
Mas muito economista sério acredita que a economia dos Estados Unidos começara a fazer água bem antes do colapso financeiro de 2008 entre outros motivos devido à alta do preço do petróleo.
Na terceira semana de julho de 2008, pico da demanda de commodities e da demência especulativa com recursos naturais, o Brent foi a US$ 135, mais de 70% acima do preço registrado um ano antes.
Como se recorda, foi um período em que havia "revoltas do pão" do México ao sul e ao sudeste da Ásia, passando pelo norte da África, agora em tumulto (por "pão" entenda-se trigo, milho, arroz etc.).
Nos Estados Unidos, havia a irritação da gasolina, que ficara carésima, derrubando até o número de viagens que os americanos faziam. Mais importante, o choque de custos talhava a rentabilidade de empresas e o poder de consumo das famílias. Graças ao desastre provocado pela grande finança, o mundo entrou em recessão feia. Esqueceu-se por um tempo de fome, de inflação de commodities e do preço do petróleo, que chegou a cair a US$ 35 o barril em dezembro de 2008.
Note-se de passagem que é preciso ser muito ingênuo ou mercadista de má-fé para acreditar que o barril passou de US$ 135 para US$ 35 em menos de seis meses devido à queda da demanda. Mas passemos.
O preço do petróleo não vinha subindo tanto como o de trigo, milho e soja, mas já aumentava desde antes das revoltas árabes. Ficou entre US$ 70 e US$ 80 de agosto de 2009 a setembro de 2010. Então passou a subir, graças ao consumo de China, de emergentes e cia., e com as notícias e evidências de recuperação econômica mais forte do que o esperado no mundo rico (mais forte, mas ainda assim pífia). No final de janeiro, o barril do Brent foi a US$ 100.
Ou seja, um pouco de recuperação econômica voltou a jogar o preço das commodities no espaço, um dos fatores do tumulto árabe e de conversas sobre alta de juros até na ainda deprimida Europa. Há boatos de que, devido ao medo de "revoltas do pão", países importadores estariam aumentando estoques, o que ajuda a inflacionar o mercado.
A revolta dos povos árabes pode encaroçar esse angu, de fato. Mas, por ora, os países em tumulto fornecem uns 3% do petróleo mundial -a Líbia exporta 1 bilhão de barris de um mercado global de 89 bilhões.
Mesmo que esses países ora em transe entrassem em colapso, os sauditas e seus primos poderiam suprir a diferença. Sim, o tumulto esquenta a especulação. Sim, está difícil dizer onde vai parar a revolução árabe, embora se duvide muito de que a agitação chegue à península Arábica, onde está o grosso do petróleo. O clima ficou tenso, mas, por ora, há mais especulação do que perigo. Por ora, pelo menos.

vinit@uol.com.br


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