São Paulo, sexta-feira, 22 de outubro de 2010

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ENTREVISTA MICHAEL PETTIS

Brasil precisa se preparar para queda no preço das commodities

ECONOMISTA AMERICANO DIZ QUE PAÍS AINDA NÃO SE DEU CONTA DE QUE A CHINA CAMINHA PARA UMA DESACELERAÇÃO DO CRESCIMENTO MOVIDO A INVESTIMENTOS

ÉRICA FRAGA
DE SÃO PAULO

O Brasil precisa se preparar para uma queda brusca nos preços das commodities que virá a reboque de menor demanda chinesa. Mas, diferentemente do que ocorre na própria China, ainda não se deu conta de que o país asiático caminha para uma desaceleração do crescimento movido a investimentos.
O diagnóstico é do norte-americano Michael Pettis, professor de finanças da Escola Guanghua de Administração, da Universidade de Pequim, que falou à Folha por e-mail sobre a guerra comercial que, para ele, ocorre hoje no mundo.
Em sua opinião, a posição das autoridades brasileiras de culpar a política monetária dos EUA pela valorização excessiva do real, mas se omitir sobre a resistência da China em deixar o yuan se apreciar, é "um pouco tola" e não contribui para o debate sobre os atuais desequilíbrios na economia global.

 

Folha - O ministro da Fazenda do Brasil tem reclamado de uma guerra cambial. Há, de fato, uma guerra de moedas?
Michael Pettis
- Ele provavelmente está certo. Tem havido casos de países usando por anos moedas desvalorizadas para atrair demanda externa de forma a promover crescimento doméstico.
Enquanto a demanda externa estava crescendo rapidamente, isso não era um assunto político importante.
Agora que a demanda mundial está se desacelerando, cada país está buscando aumentar sua fatia da demanda global. Isso é obviamente impossível e é o que causa a guerra comercial. Manipulação de moedas é parte dessa disputa.
As autoridades brasileiras culpam a política de afrouxamento monetário dos EUA pelo que está ocorrendo com o real, mas não fazem nenhuma menção à resistência da China em deixar o yuan se valorizar mais rapidamente.
Eu acho essa reclamação um pouco tola e não ajuda muito. A política monetária dos EUA tem sido severamente limitada pelo fato de que muitos países intervêm em suas mercados contra o dólar, para ter acesso à demanda norte-americana.
E essas intervenções estão contribuindo para o aumento do desemprego e do deficit fiscal [nos EUA]. Se esses países parassem de intervir tão pesadamente, não só o efeito do afrouxamento quantitativo nos EUA teria quase nenhum impacto sobre eles como a necessidade desse afrouxamento diminuiria.

O que o sr. acha das medidas que têm sido adotadas por países como Brasil e Tailândia para tentar frear o intenso fluxo de capital de fora?
Infelizmente, dado que a maior parte do mundo tem adotado políticas para "empobrecer o vizinho", qualquer país que não participe vai pagar um custo alto. Isso aconteceu nos anos 1930.

O temor de um aumento do protecionismo com a crise global em 2008 e 2009 se provou exagerado? E agora, os riscos aumentaram?
Não acho que o temor foi exagerado. Na verdade, acho que estamos num ciclo de muitos anos de contração do comércio internacional.
Isso não significa que o comércio vá cair numa linha reta, mas que, no longo prazo, o declínio será interrompido por períodos de otimismo e aparente melhoria. Isso também ocorreu nos anos 1930.

Há chances de uma solução de cooperação multilateral para os problemas que distorcem a demanda global?
Eu desejo que sim, mas não acho que ocorra. Para que haja uma cooperação séria, primeiro os países precisam parar de culpar os outros por seus problemas. Segundo, precisamos desenvolver um entendimento compartilhado das causas da crise.

O que a China e outros emergentes como o Brasil deveriam fazer para ajudar a reequilibrar a economia global?
A China é um dos países -ao lado de EUA, Alemanha, talvez Japão e os da Europa que estão em crise- que estão no centro dos desequilíbrios. Tem o maior saldo comercial e as maiores reservas internacionais na história e talvez a fatia de consumo mais baixa. Tem de estimular o consumo interno.
O Brasil está em uma situação muito diferente. Não acho que tenha contribuído para os desequilíbrios. Mas acho que precisa se preparar para um mundo de mais contrações da demanda e uma queda brusca nos preços de commodities.
Tenho a impressão de que o Brasil tem estado muito ávido por "dobrar a aposta" que faz na capacidade da China de sustentar o tipo de crescimento movido a investimentos que nem na própria China são vistos como sustentáveis.

O sr. espera que as autoridades chinesas comecem a agir de forma mais cooperativa?
Ainda não. Eles querem cooperar mais, mas ainda não estão dispostos a pagar o preço político doméstico de reequilibrar sua economia. Mesmo a alta de juros não deve ser vista nesse contexto [de reequilíbrio], mas como um pequeno recuo no processo de rápida redução das taxas reais visto neste ano.
Os juros reais precisam subir na China a fim de reduzir a má alocação de capital e aumentar a renda familiar.


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