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ENTREVISTA MICHAEL PETTIS
Brasil precisa se preparar para queda no preço das commodities
ECONOMISTA AMERICANO DIZ QUE PAÍS AINDA NÃO SE DEU CONTA DE QUE A CHINA CAMINHA PARA UMA DESACELERAÇÃO DO CRESCIMENTO MOVIDO A INVESTIMENTOS
ÉRICA FRAGA
DE SÃO PAULO
O Brasil precisa se preparar para uma queda brusca
nos preços das commodities
que virá a reboque de menor
demanda chinesa. Mas, diferentemente do que ocorre na
própria China, ainda não se
deu conta de que o país asiático caminha para uma desaceleração do crescimento
movido a investimentos.
O diagnóstico é do norte-americano Michael Pettis,
professor de finanças da Escola Guanghua de Administração, da Universidade de
Pequim, que falou à Folha
por e-mail sobre a guerra comercial que, para ele, ocorre
hoje no mundo.
Em sua opinião, a posição
das autoridades brasileiras
de culpar a política monetária dos EUA pela valorização
excessiva do real, mas se
omitir sobre a resistência da
China em deixar o yuan se
apreciar, é "um pouco tola" e
não contribui para o debate
sobre os atuais desequilíbrios na economia global.
Folha - O ministro da Fazenda
do Brasil tem reclamado de
uma guerra cambial. Há, de
fato, uma guerra de moedas?
Michael Pettis - Ele provavelmente está certo. Tem havido casos de países usando
por anos moedas desvalorizadas para atrair demanda
externa de forma a promover
crescimento doméstico.
Enquanto a demanda externa estava crescendo rapidamente, isso não era um assunto político importante.
Agora que a demanda
mundial está se desacelerando, cada país está buscando
aumentar sua fatia da demanda global. Isso é obviamente impossível e é o que
causa a guerra comercial.
Manipulação de moedas é
parte dessa disputa.
As autoridades brasileiras
culpam a política de afrouxamento monetário dos EUA
pelo que está ocorrendo com
o real, mas não fazem nenhuma menção à resistência da
China em deixar o yuan se
valorizar mais rapidamente.
Eu acho essa reclamação
um pouco tola e não ajuda
muito. A política monetária
dos EUA tem sido severamente limitada pelo fato de
que muitos países intervêm
em suas mercados contra o
dólar, para ter acesso à demanda norte-americana.
E essas intervenções estão
contribuindo para o aumento do desemprego e do deficit
fiscal [nos EUA]. Se esses países parassem de intervir tão
pesadamente, não só o efeito
do afrouxamento quantitativo nos EUA teria quase nenhum impacto sobre eles como a necessidade desse
afrouxamento diminuiria.
O que o sr. acha das medidas
que têm sido adotadas por
países como Brasil e Tailândia para tentar frear o intenso
fluxo de capital de fora?
Infelizmente, dado que a
maior parte do mundo tem
adotado políticas para "empobrecer o vizinho", qualquer país que não participe
vai pagar um custo alto. Isso
aconteceu nos anos 1930.
O temor de um aumento do
protecionismo com a crise
global em 2008 e 2009 se provou exagerado? E agora, os
riscos aumentaram?
Não acho que o temor foi
exagerado. Na verdade, acho
que estamos num ciclo de
muitos anos de contração do
comércio internacional.
Isso não significa que o comércio vá cair numa linha reta, mas que, no longo prazo,
o declínio será interrompido
por períodos de otimismo e
aparente melhoria. Isso também ocorreu nos anos 1930.
Há chances de uma solução
de cooperação multilateral
para os problemas que distorcem a demanda global?
Eu desejo que sim, mas
não acho que ocorra. Para
que haja uma cooperação séria, primeiro os países precisam parar de culpar os outros
por seus problemas. Segundo, precisamos desenvolver
um entendimento compartilhado das causas da crise.
O que a China e outros emergentes como o Brasil deveriam fazer para ajudar a reequilibrar a economia global?
A China é um dos países
-ao lado de EUA, Alemanha,
talvez Japão e os da Europa
que estão em crise- que estão no centro dos desequilíbrios. Tem o maior saldo comercial e as maiores reservas
internacionais na história e
talvez a fatia de consumo
mais baixa. Tem de estimular
o consumo interno.
O Brasil está em uma situação muito diferente. Não
acho que tenha contribuído
para os desequilíbrios. Mas
acho que precisa se preparar
para um mundo de mais contrações da demanda e uma
queda brusca nos preços de
commodities.
Tenho a impressão de que
o Brasil tem estado muito ávido por "dobrar a aposta" que
faz na capacidade da China
de sustentar o tipo de crescimento movido a investimentos que nem na própria China
são vistos como sustentáveis.
O sr. espera que as autoridades chinesas comecem a agir
de forma mais cooperativa?
Ainda não. Eles querem
cooperar mais, mas ainda
não estão dispostos a pagar o
preço político doméstico de
reequilibrar sua economia.
Mesmo a alta de juros não deve ser vista nesse contexto
[de reequilíbrio], mas como
um pequeno recuo no processo de rápida redução das
taxas reais visto neste ano.
Os juros reais precisam subir na China a fim de reduzir
a má alocação de capital e
aumentar a renda familiar.
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