São Paulo, quinta-feira, 25 de agosto de 2011

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MARION STRECKER

Nova economia no deserto


Na próxima segunda, uma cidade de 50 mil habitantes há de surgir ali, na beira da "praia" no deserto salgado

Caminhões atravessam os EUA nesta semana com barracas, bicicletas e suprimentos em direção ao lago seco de Black Rock, no Estado de Nevada. Vans, carros, ônibus, trailers e pequenos aviões também seguirão para lá nos próximos dias.
Reuniões e festas preparatórias estão ocorrendo freneticamente, com a checagem dos últimos detalhes e arroubos criativos. Na próxima segunda-feira, dia 29, uma nova cidade de 50 mil habitantes há de surgir ali, na beira da "praia" no deserto salgado.
Uma semana depois, essa mesma cidade terá de ser desmontada sem deixar nenhum rastro. Nem mesmo água limpa jogada no solo. Isso mesmo. Essa é a regra que todos terão de seguir. E não será fácil. Acho. Ou a organização está exagerando. Depois eu conto.
Enquanto o acampamento libertário e criativo durar, seus habitantes viverão dias quentíssimos e noites geladas dentro de barracas.
Estarão sujeitos a tempestades de areia e a ventanias violentas. Nenhuma loja por perto. Nenhum comércio permitido, além do café e do gelo regulamentar. Nenhuma publicidade. Jornalismo supercontrolado, pela falta de melhor estrutura e por contratos que impedem a liberdade de imprensa, dando a eles o direito de censura prévia a qualquer imagem feita ali.
"Burning Man" é o nome do evento. Um exercício de morar junto. De construir, de habitar e de desconstruir, com 49.999 outras pessoas, uma cidade temporária radicalmente ecológica, dividida espontaneamente em tribos, cada qual com seus líderes. Também é um festival de arte, de pirotecnia, de robótica, de música, de tecnologia limpa e de espiritualidade, entre outros assuntos e diversões. O tema deste ano é "Ritos de Passagem", bem apropriado para mim, que acabo de mudar de país, de língua e de tudo.
A média etária está na casa dos 40 anos. E é caro. Conto já, já. Carros alegóricos e fantasias imperam. Mas não é o Carnaval do Brasil. Os carros alegóricos são pequenos e não comportam centenas de foliões pulando. E a música é outra. Muita gente ama e muita gente torce o nariz. E pouca gente conhece.
O "Burning Man" começou há 25 anos, embora rituais com fogo aconteçam desde o tempo dos homens das cavernas, em muitos lugares.
Mas há 25 anos, numa praia de San Francisco chamada Baker, um grupo de amigos botou fogo num boneco de madeira de 2,7 metros de altura numa espécie de ato de expiação e de superação. Baker é uma praia de nudismo.
A turma resolveu repetir o ritual todos os anos. A coisa cresceu e se profissionalizou. Acaba tendo abuso de álcool e de drogas.
Mudaram para o deserto de Nevada. No ano passado, foram mais de 51 mil pessoas. A maioria são americanos, mas vem gente do mundo todo. Neste ano resolveram limitar em 50 mil.
Quando falei para meu marido que estava pensando em ir ao "Burning Man", e perguntei se ele viria comigo, ele disse que não tinha o menor interesse em ver um monte de hippie velho correndo pelado na areia. Rarará, como diria o Simão. Se fosse só isso, o frisson não seria tão grande.
"Sold out", como se diz aqui. Esta foi a primeira vez na história que a companhia Black Rock City LLC, formada para gerir o acampamento, encerrou a venda de ingressos antecipadamente.
Comprei o meu com antecedência, por US$ 320 mais taxas várias. Nesta semana, outros ingressos rolaram no mercado de segunda mão entre US$ 600 e US$ 2.000. Faça as contas. São 50 mil pessoas. É um negócio milionário. Sem falar da economia que movimenta em volta.
Fiquei até pensando se não seria melhor ficar em casa, confortável, tomando vinho bom com a economia que faria, em vez de enfrentar a poeira de um deserto de sal.
Que nada. Claro que vou. Quero muito viver essa experiência, que se repete todo ano sem nunca se repetir. Quero entender essa forma autossustentável, ambiciosa, hippie e "high-tech" de contracultura, frequentada também por cabeções de centros de excelência acadêmica, das grandes empresas e novas "start-ups" do Vale do Silício.
Quero ver todos os "malucos" e virar temporariamente um deles, sem perder o juízo.

MARION STRECKER é jornalista, cofundadora do UOL e será sua correspondente em San Francisco a partir de setembro. Escreve às quintas-feiras, a cada quatro semanas, neste espaço.
marionstrecker@me.com
twitter.com/marionstrecker


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