São Paulo, sábado, 25 de dezembro de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

cifras & letras

Não ganhou? Compre para si mesmo

Convidados indicam livros que fizeram diferença em 2010

Eduardo Giannetti
Para onde vai o Brasil? Nossa economia, é inegável, vive um bom momento. Prevalece um sentimento de otimismo e confiança em nosso futuro como há muito não se via. Mas é preciso cuidado.
Seria um grave erro permitir que o êxito circunstancial nos fizesse perder o senso de realidade. O Brasil já viveu situações semelhantes no passado e nem por isso soube aproveitar a oportunidade de semear as bases de uma prosperidade duradoura.
O maior risco que corremos hoje é a complacência -é confundir o sucesso efêmero no curto prazo com a construção de um futuro generoso e sustentável. Como antídoto à propensão ao imediatismo e à "razão curta", recomendo três livros que abordam o imperativo de enfrentarmos desde já os nossos desafios de longo prazo: Mais que um diagnóstico do dilema previdenciário brasileiro, "Demografia - A Ameaça Invisível", de Fabio Giambiagi e Paulo Tafner (ed. Campus), analisa as implicações da transição demográfica pela qual passaremos nas próximas décadas. São verdades incômodas hoje, mas que se tornarão um drama doloroso caso não sejam entendidas e equacionadas em tempo hábil.
Em "O Que os Economistas Pensam sobre Sustentabilidade", organizado por Ricardo Arnt (ed. 34), 15 economistas de diferentes matizes teóricas discutem os nós e os nortes da sustentabilidade no mundo.
Partindo da constatação de que o crescimento nos moldes atuais encontra um claro limite no esgotamento da capacidade de os ecossistemas continuarem prestando os serviços de que dependem as sociedades humanas, o livro oferece uma riqueza de análises e propostas para enfrentar a encrenca ambiental que nos aflige.
E, para os interessados em avançar no debate sobre prosperidade sustentável, a transição para uma economia de baixo carbono e os limites dos indicadores tradicionais de riqueza e bem-estar, recomendo "Sustentabilidade", de José Eli da Veiga (ed. Senac-SP).

EDUARDO GIANNETTI é professor do Insper São Paulo.

Fernando Cardim
A economia nasceu, como outras ciências sociais, como um ramo do que antigamente se chamava de ciências morais, cujo objeto de estudo, como observou Keynes, eram "motivos, expectativas e incertezas psicológicas" de indivíduos e grupos sociais e as interações entre esses agentes em realidades historicamente específicas.
Assim, um fundamento da economia, talvez o principal deles, era a história.
Todos os grandes pensadores da economia, a começar por Adam Smith, sabiam disso. Infelizmente, muitos economistas parecem nada saber de história e, por isso mesmo, são sempre pegos de surpresa quando algo como a crise atual tem lugar.
Por isso mesmo, minha primeira e mais entusiástica sugestão de leitura para economistas e outros interessados é "Pós-Guerra" (ed. Objetiva), de Tony Judt.
A Europa foi palco de alguns dos mais importantes experimentos em política econômica e reforma social no período e Judt é um analista impressionante e convincente.
O capítulo sobre o nascimento do "welfare state" deveria ser obrigatório para economistas, políticos, cidadãos em geral. Uma segunda sugestão vai na mesma linha. É o lançamento mais recente de Joe Stiglitz, "O Mundo em Queda Livre" (Cia. das Letras).
Exercitando sua veia crítica e seu estilo mais do que provocativo, Stiglitz aproveita a oportunidade para discutir os descaminhos da teoria econômica mais ortodoxa e sua inadequação como instrumento que permita a compreensão da crise iniciada em 2007 nos Estados Unidos.
Embora não tão fundamental quanto Judt, é ainda leitura obrigatória, enquanto os países desenvolvidos vão vivendo a sequência infernal de manifestações da maior crise desde os anos 1930.

FERNANDO CARDIM é professor titular do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Vinicius Torres Freire
"Capitalismo de Laços" (ed. Campus) é de longe o melhor lançamento do ano (e de muitos anos) a respeito do funcionamento real da economia brasileira. Sergio Lazzarini, professor do Insper, fez uma pesquisa empírica imensa, precisa e muito paciente sobre a propriedade de grandes empresas, as conexões entre elas, suas relações com o Estado. Acaba contando, por meio de sua documentação, a história da mudança da posse do grande capital no país, das privatizações de FHC à criação de conglomerados nos anos Lula. Para quem não aguenta mais a avalanche de simplificações idiotas e recentes sobre classe social no Brasil e a irrelevância do clichê de "nova classe média", o livro "Os Batalhadores Brasileiros" (ed. UFMG), de Jessé Souza, professor da UFJF, é uma ótima introdução aos vários aspectos do conceito de classe. Souza discute o problema por meio de uma pesquisa empírica sobre o que ele chama de "nova classe trabalhadora brasileira", parte da qual vem sendo chamada de "nova classe média". "Oito Séculos de Delírios Financeiros", de Kenneth Rogoff e Carmen Reinhart (ed. Campus) saiu em 2009 nos EUA, na onda de trabalhos sobre a crise financeira que explodiu em 2008. Os autores fazem um balanço e uma história comparada e quantitativa de crises financeiras em 66 países diferentes.

VINICIUS TORRES FREIRE é colunista da Folha.


Ricardo Antunes
Um título é emblemático: "Prolegômenos para uma Ontologia do Ser Social", de György Lukács [1885-1971], que acaba de sair no Brasil pela Boitempo. A história dos "Prolegômenos" é conhecida para os especialistas: descontente com a versão de "Para uma Ontologia do Ser Social", obra de vulto do último Lukács, o filósofo húngaro pôs-se a escrever uma versão mais concisa -os "Prolegômenos". Posteriormente, voltou ao projeto original, mas a morte impediu sua conclusão. A partir de então, a versão concisa passou a ser conhecida como "Pequena Ontologia", enquanto a original era a "Grande Ontologia". No belo posfácio à presente edição, Nicolas Tertulian lhe confere "o valor de um testamento", "último grande texto filosófico de Lukács". Sua ontologia oferece um magistral redescobrimento da obra marxiana, ao apontar os limites dos marxismos epistemologizante e neopositivista -que tantos estragos fizeram no marxismo do século 20. Lukács foi, naquele século, o mais pujante crítico dos desconstrutores do trabalho. Ao reconhecer seu sentido complexo (o trabalho como protoforma da atividade humana) e contraditório (onde convivem alienação e emancipação), o pensador foi os mais vigoroso crítico das reificações, coisificações e estranhamentos que afloram a partir da esfera do trabalho.

RICARDO ANTUNES é professor de sociologia na Universidade Estadual de Campinas.


Texto Anterior: Análise: Internacionalização de empresa brasileira é caminho sem volta
Próximo Texto: Fisco aumenta controle sobre o varejo
Índice | Comunicar Erros



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.