São Paulo, sábado, 25 de dezembro de 2010

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MICHAEL SKAPINKER

O diálogo continuará a ser em inglês


Embora a China compre grande parte dos recursos mundiais, os negócios não serão feitos em mandarim


NÃO IMPORTA que incertezas os Estados Unidos e o Reino Unido estejam enfrentando, seu idioma ainda domina o mundo. Nenhum cientista avança em sua carreira se não publicar em inglês. Quando alemães negociam com brasileiros ou franceses negociam com angolanos, é provável que o façam em inglês.
O banco de investimento Goldman Sachs previu que a economia chinesa poderá superar a dos Estados Unidos por volta de 2027. No entanto, longe de insistir em que o mundo domine seu idioma, os chineses estão aprendendo inglês, o que eleva a população anglófona do planeta em 20 milhões de pessoas por ano, segundo estimativas.
Como os impérios, porém, todos os idiomas dominantes tendem a perder essa posição. Nenhum deles se difundiu pelo planeta tanto como o inglês, mas alguns tiveram uso bastante amplo. No passado, a elite europeia escrevia em latim. No ano 100, uma pessoa que falasse grego poderia viajar da Espanha ao Hindu Kush e encontraria pelo caminho outras pessoas que falavam seu idioma, escreve Nicholas Ostler no livro "The Last Lingua Franca".
Em seu estudo estimulante e erudito, Ostler acompanha a ascensão e a queda dos idiomas e pergunta: quando o domínio do inglês chegará ao fim? Sua ascensão começou quando o Império Britânico levou à formação de comunidades anglófonas em todo o mundo. Os Estados Unidos expandiram o alcance do idioma por meio de seu poderio econômico e militar, de suas universidades mundialmente renomadas e de sua posição dominante na tecnologia e no entretenimento popular.
Será que o inglês conseguirá sobreviver em todo o mundo caso haja um eclipse do domínio econômico e militar dos EUA? Suspeito que o inglês será a língua franca do planeta pelo menos pelo período de vida das pessoas que estejam lendo este texto. Caso o inglês venha a ter um sucessor como idioma mundial, milhões de alunos teriam de começar a estudar esse novo idioma, da mesma forma que hoje aprendem inglês.
Ostler argumenta, porém, que existem casos de línguas francas que desaparecem em apenas algumas décadas. O mais notável exemplo é o colapso do alemão como idioma científico mundial. Em 1910, mais trabalhos científicos eram publicados em alemão do que em inglês. Na metade do século passado, a posição da Alemanha havia desabado. Não foi apenas por conta da derrota nas duas guerras mundiais.
Quando os nazistas tomaram o poder, demitiram um terço dos professores da Alemanha -a maioria dos quais judeus. A emigração de muitos deles -especialmente para os Estados Unidos, o Reino Unido e a Palestina, então sob mandato britânico- garantiu a primazia do inglês como idioma da ciência.
O latim durou muito mais como linguagem transnacional: dois milênios. Continuava em uso para fins de administração civil em certas regiões da Europa até o século 19.
O inglês sobreviverá por tempo comparavelmente longo? Ostler diz que sua popularidade é bastante superficial. Do cerca de 1,1 bilhão de falantes do idioma, 71% têm o inglês como segundo idioma. Apesar de toda a sua popularidade, o inglês não está se tornando o primeiro idioma de muito mais gente.
A decisão de aprender uma língua franca é pragmática. Caso a necessidade mude, a escolha de idioma também mudará. Dado o comércio direto cada vez mais intenso entre as economias emergentes, elas terminarão por se perguntar por que estão conversando em um idioma que não é o delas. Já que a China compra parcela tão grande dos recursos naturais mundiais, por que seus fornecedores não negociam com os compradores chineses em mandarim? Como diz o ditado, quem compra o faz no seu idioma, e quem vende o faz no do comprador.
Ostler diz que, embora o mandarim esteja sendo mais usado no comércio entre a China e a África, não há registro de que um idioma se tenha tornado língua franca sem que primeiro fosse a língua de um império. Assim, ele oferece uma proposição mais radical: a de que o inglês será a última das línguas francas.
A fala é a essência da interação humana, e a conversação é a raiz das negociações empresariais. Não sabemos o que o novo ano nos trará, mas creio que não incluirá muitas provas do declínio do inglês.

MICHAEL SKAPINKER é editor-assistente e colunista do "Financial Times".


Tradução de PAULO MIGLIACCI


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