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África do Sul pós-Copa vive desconfiança
País cria temores entre investidores atraídos pelo evento, com greve do funcionalismo e disputa por direitos de empresas
Setores de lazer e varejo devem se beneficiar, no entanto, do consumo crescente da classe
média em ascensão
DO "FINANCIAL TIMES"
Durante a Copa do Mundo
deste ano, na África do Sul,
diversas empresas multinacionais decidiram aproveitar
a oportunidade de se associar ao evento. Os estádios foram cercados por anúncios
de patrocinadores que iam
de Budweiser a Castrol.
O torneio atraiu a atenção
de outras empresas estrangeiras, impressionadas com
a melhora na infraestrutura
do país, seu crescente mercado de consumo e a gestão
profissional do evento.
Desde então, alguns casos
de grande destaque atenuaram esse sentimento. E lembraram os investidores dos
desafios de fazer negócios na
África do Sul, com preocupações centradas na corrupção,
na política governamental e
em questões trabalhistas.
Quando mais de um milhão de servidores públicos
entraram em greve por melhores salários durante 19
dias, no mês passado, os serviços de saúde e educação se
desordenaram.
Essa inquietação não se limita ao setor público. A força
dos grandes sindicatos sul-africanos significa que ações
trabalhistas continuam a ser
possibilidade constante para
muitas empresas, o que força
algumas delas a conceder
aumentos salariais duas vezes superiores à inflação.
Isso faz com que os custos
de mão de obra no país sejam
bem superiores aos de muitos outros emergentes.
Após mais uma greve nas
montadoras, um mês atrás,
Toyota, Volkswagen e General Motors aceitaram conceder aumento salarial de 10%.
Chris Texton, presidente
da associação das montadoras, diz que pressões salariais
fortes como essas podem
ameaçar a viabilidade do setor no país, em longo prazo.
"Esse ritmo de aumento não
é algo que possamos sustentar em longo prazo", disse.
MINERADORAS
Enquanto isso, as mineradoras se assustaram com
duas disputas recentes que
despertaram preocupação
quanto à transparência do
processo de concessão de direitos de mineração.
Em agosto, a Lonmin, do
setor de platina, foi instruída
a suspender a mineração de
metais básicos cujos direitos
haviam sido concedidos a
uma empresa controlada por
um antigo ministro.
Kgalema Motlanthe, vice-presidente sul-africano, disse que "a segurança dos
atuais beneficiários está garantida", mas acrescentou
que grandes empresas como
a Lonmin não deveriam esperar benefícios superiores
aos das pequenas empresas.
A instrução à Lonmin
-posteriormente revertida-
surgiu depois que irrompeu
uma disputa sobre direitos
de mineração entre o Estado
e a Anglo American, que deve chegar à Justiça.
O advogado Peter Leon diz
que o caso poderia solapar a
confiança no Estado de Direito sul-africano e deixar o país
"equiparado ao Zimbábue e à
República Democrática do
Congo como destino para investimentos minerais".
O caso conquistou manchetes em março depois que
a Kumba Iron Ore, subsidiária da Anglo American, teve
rejeitado seu pedido por uma
parcela dos direitos de mineração na mina de Shishen, a
maior de minério de ferro da
África, operada por ela.
A parcela dos direitos pertencia anteriormente à siderúrgica ArcelorMittal, que
permitia que a Kumba administrasse todas as operações
de mineração em troca de um
acordo preferencial de fornecimento de minério de ferro.
ENVOLVIMENTO
A ArcelorMittal não renovou seus direitos em tempo
de cumprir um prazo imposto pelo governo em 2009.
A Kumba então solicitou
os direitos, mas foi derrotada
pelo lance da Imperial, uma
companhia quase desconhecida cujos diretores incluem
Gugu Mtshali, que supostamente tem um envolvimento
romântico com Motlanthe,
embora nenhum dos dois
confirme a informação.
Jagdish Parekh, presidente-executivo da Imperial e sócio de Duduzane Zuma (filho
do presidente Jacob Zuma)
em alguns empreendimentos, desconsiderou as alegações da Kumba, dizendo que
estava "chocado diante das
alegações e distorções".
Cynthia Carroll, presidente-executiva da Anglo American, reafirmou que a disputa
não havia dissuadido a empresa de realizar futuros investimentos na África do Sul.
"De forma nenhuma, continuamos empenhados em
nossas operações sul-africanas. Estamos nos saindo excepcionalmente bem em nossos negócios."
NACIONALIZAÇÃO
Mas a controvérsia demoveu outras empresas internacionais de mineração de investir no país, diz Peter Major, analista na Cadiz Corporate Solution. "Está se tornando cada vez mais difícil
convencer as pessoas a considerar investimentos em mineração na África do Sul."
Especulações quanto a
uma possível nacionalização
das minas, uma demanda
constante da Liga da Juventude -afiliada ao partido governista, o Congresso Nacional Africano (CNA)-, agravam a preocupação dos investidores, a despeito de negativas oficiais de que essa
seja uma meta do governo.
Motlanthe descartou esses
apelos, dizendo que parecem
vir de "pessoas que não sabem que o Tesouro arrecada
receita com essas empresas".
Palavras como essas podem não bastar para reassegurar as empresas multinacionais. Major afirma que
"esse é um slogan popular.
Se a retórica populista ganhar ímpeto, na verdade não
importa o que o governo diga, porque ele pode ser mudado em um ano ou dois".
BLECAUTES
Também há temores quanto à falta de capacidade de
geração: o país sofreu uma
sucessão de blecautes em
2008, e eles devem retornar
nos próximos anos, à medida
que a economia se recupera
da recessão.
Preocupações quanto à segurança no suprimento de
eletricidade levaram a mineradora Rio Tinto a cancelar a
construção de uma fundição
de alumínio, planejada para
2009.
Enquanto a mineração e a
indústria estão sob pressão
mais forte, os setores de lazer
e varejo devem se beneficiar
do forte consumo por uma
classe média em ascensão.
O McDonald's recentemente anunciou planos de
expandir sua rede sul-africana de 100 para 235 unidades
nos próximos cinco anos, enquanto a rival KFC já opera
624 restaurantes no país.
O Starbucks anunciou em
maio acordos de distribuição
com dois grupos de lazer sul-africanos, o que foi interpretado como prenúncio da chegada de suas lojas ao país.
PORTAL DA ÁFRICA
Além disso, muitos veem
nova ênfase no papel da África do Sul como núcleo regional de serviços -um "portal"
para o restante da África.
"Companhias chegarão ao
país para participar do crescimento da África", disse David Shapiro, administrador
de fundos do grupo de serviços financeiros Sasfin. Ele
destaca o exemplo do HSBC,
banco britânico que no mês
passado anunciou que desejava adquirir participação de
70% no Nedbank, o quarto
maior banco sul-africano por
volume de empréstimos.
"Temos a infraestrutura e
o know-how", disse Shapiro.
"Mas precisamos resolver os
problemas de corrupção e
governança empresarial."
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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