São Paulo, domingo, 26 de setembro de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

África do Sul pós-Copa vive desconfiança

País cria temores entre investidores atraídos pelo evento, com greve do funcionalismo e disputa por direitos de empresas

Setores de lazer e varejo devem se beneficiar, no entanto, do consumo crescente da classe média em ascensão

DO "FINANCIAL TIMES"

Durante a Copa do Mundo deste ano, na África do Sul, diversas empresas multinacionais decidiram aproveitar a oportunidade de se associar ao evento. Os estádios foram cercados por anúncios de patrocinadores que iam de Budweiser a Castrol.
O torneio atraiu a atenção de outras empresas estrangeiras, impressionadas com a melhora na infraestrutura do país, seu crescente mercado de consumo e a gestão profissional do evento.
Desde então, alguns casos de grande destaque atenuaram esse sentimento. E lembraram os investidores dos desafios de fazer negócios na África do Sul, com preocupações centradas na corrupção, na política governamental e em questões trabalhistas.
Quando mais de um milhão de servidores públicos entraram em greve por melhores salários durante 19 dias, no mês passado, os serviços de saúde e educação se desordenaram.
Essa inquietação não se limita ao setor público. A força dos grandes sindicatos sul-africanos significa que ações trabalhistas continuam a ser possibilidade constante para muitas empresas, o que força algumas delas a conceder aumentos salariais duas vezes superiores à inflação.
Isso faz com que os custos de mão de obra no país sejam bem superiores aos de muitos outros emergentes.
Após mais uma greve nas montadoras, um mês atrás, Toyota, Volkswagen e General Motors aceitaram conceder aumento salarial de 10%.
Chris Texton, presidente da associação das montadoras, diz que pressões salariais fortes como essas podem ameaçar a viabilidade do setor no país, em longo prazo.
"Esse ritmo de aumento não é algo que possamos sustentar em longo prazo", disse.

MINERADORAS
Enquanto isso, as mineradoras se assustaram com duas disputas recentes que despertaram preocupação quanto à transparência do processo de concessão de direitos de mineração.
Em agosto, a Lonmin, do setor de platina, foi instruída a suspender a mineração de metais básicos cujos direitos haviam sido concedidos a uma empresa controlada por um antigo ministro.
Kgalema Motlanthe, vice-presidente sul-africano, disse que "a segurança dos atuais beneficiários está garantida", mas acrescentou que grandes empresas como a Lonmin não deveriam esperar benefícios superiores aos das pequenas empresas.
A instrução à Lonmin -posteriormente revertida- surgiu depois que irrompeu uma disputa sobre direitos de mineração entre o Estado e a Anglo American, que deve chegar à Justiça.
O advogado Peter Leon diz que o caso poderia solapar a confiança no Estado de Direito sul-africano e deixar o país "equiparado ao Zimbábue e à República Democrática do Congo como destino para investimentos minerais".
O caso conquistou manchetes em março depois que a Kumba Iron Ore, subsidiária da Anglo American, teve rejeitado seu pedido por uma parcela dos direitos de mineração na mina de Shishen, a maior de minério de ferro da África, operada por ela.
A parcela dos direitos pertencia anteriormente à siderúrgica ArcelorMittal, que permitia que a Kumba administrasse todas as operações de mineração em troca de um acordo preferencial de fornecimento de minério de ferro.

ENVOLVIMENTO
A ArcelorMittal não renovou seus direitos em tempo de cumprir um prazo imposto pelo governo em 2009.
A Kumba então solicitou os direitos, mas foi derrotada pelo lance da Imperial, uma companhia quase desconhecida cujos diretores incluem Gugu Mtshali, que supostamente tem um envolvimento romântico com Motlanthe, embora nenhum dos dois confirme a informação.
Jagdish Parekh, presidente-executivo da Imperial e sócio de Duduzane Zuma (filho do presidente Jacob Zuma) em alguns empreendimentos, desconsiderou as alegações da Kumba, dizendo que estava "chocado diante das alegações e distorções". Cynthia Carroll, presidente-executiva da Anglo American, reafirmou que a disputa não havia dissuadido a empresa de realizar futuros investimentos na África do Sul. "De forma nenhuma, continuamos empenhados em nossas operações sul-africanas. Estamos nos saindo excepcionalmente bem em nossos negócios."

NACIONALIZAÇÃO
Mas a controvérsia demoveu outras empresas internacionais de mineração de investir no país, diz Peter Major, analista na Cadiz Corporate Solution. "Está se tornando cada vez mais difícil convencer as pessoas a considerar investimentos em mineração na África do Sul."
Especulações quanto a uma possível nacionalização das minas, uma demanda constante da Liga da Juventude -afiliada ao partido governista, o Congresso Nacional Africano (CNA)-, agravam a preocupação dos investidores, a despeito de negativas oficiais de que essa seja uma meta do governo. Motlanthe descartou esses apelos, dizendo que parecem vir de "pessoas que não sabem que o Tesouro arrecada receita com essas empresas".
Palavras como essas podem não bastar para reassegurar as empresas multinacionais. Major afirma que "esse é um slogan popular. Se a retórica populista ganhar ímpeto, na verdade não importa o que o governo diga, porque ele pode ser mudado em um ano ou dois".

BLECAUTES
Também há temores quanto à falta de capacidade de geração: o país sofreu uma sucessão de blecautes em 2008, e eles devem retornar nos próximos anos, à medida que a economia se recupera da recessão.
Preocupações quanto à segurança no suprimento de eletricidade levaram a mineradora Rio Tinto a cancelar a construção de uma fundição de alumínio, planejada para 2009.
Enquanto a mineração e a indústria estão sob pressão mais forte, os setores de lazer e varejo devem se beneficiar do forte consumo por uma classe média em ascensão.
O McDonald's recentemente anunciou planos de expandir sua rede sul-africana de 100 para 235 unidades nos próximos cinco anos, enquanto a rival KFC já opera 624 restaurantes no país. O Starbucks anunciou em maio acordos de distribuição com dois grupos de lazer sul-africanos, o que foi interpretado como prenúncio da chegada de suas lojas ao país.

PORTAL DA ÁFRICA
Além disso, muitos veem nova ênfase no papel da África do Sul como núcleo regional de serviços -um "portal" para o restante da África.
"Companhias chegarão ao país para participar do crescimento da África", disse David Shapiro, administrador de fundos do grupo de serviços financeiros Sasfin. Ele destaca o exemplo do HSBC, banco britânico que no mês passado anunciou que desejava adquirir participação de 70% no Nedbank, o quarto maior banco sul-africano por volume de empréstimos.
"Temos a infraestrutura e o know-how", disse Shapiro. "Mas precisamos resolver os problemas de corrupção e governança empresarial."


Tradução de PAULO MIGLIACCI


Texto Anterior: Vinicius Torres Freire: Neymar, Tiririca e Erenice
Próximo Texto: Frases
Índice | Comunicar Erros



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.