São Paulo, domingo, 26 de setembro de 2010

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VINICIUS TORRES FREIRE

Neymar, Tiririca e Erenice


No meio de uma eleição vazia, trio suscita debate moralizante e algo hipócrita sobre podres nacionais


O JOGADOR Neymar, o humorista Tiririca e a ex-ministra Erenice Guerra parecem liderar as paradas de sucesso da discussão moralizante nestes dias finais da eleição mais odienta, despolitizada e vazia de ideias do Brasil redemocratizado.
O jogador entrou na roda porque teve novo acesso de maus modos sociais e esportivos. Neymar é chamado, no termo popular, de "moleque folgado", embora tal mistura de estrelismo agressivo com presunção arrivista e ignara seja comum entre os "famosos" tão admirados pela massa, da "classe" AB à E. O técnico de Neymar quis puni-lo e foi demitido; o técnico da seleção, em desagravo, deixou o atleta fora do time.
Em sua campanha por vaga na Câmara, Tiririca debocha com ignorância extrema da função a qual se candidata, embora "deboche" seja termo cerebral demais para quem parece um abestado inimputável. Porém, ou portanto, Tiririca é favorito ao posto de deputado federal mais votado do país, eleito em São Paulo, "centro do Brasil moderno".
Erenice era madrinha de parentela e de clientes pendurados em cargos públicos e flagrados em parcerias público-privadas informais.
A biografia paralela desses ex-pobres de algum sucesso tem o apelo de "histórias humanas", o que não ocorre com debates abstratos sobre políticas ou moralidade públicas. Mas, apesar de "cases" personalizados, não são casos isolados.
A sessão de palmatória em Neymar foi estimulada pelas histórias recentes de jogadores acusados de homicídio ou convívio amigável com traficantes. Tiririca é uma metáfora (ou metonímia?) da degradação sem fim da política e do Congresso.
Erenice seria apenas mais um caso rastaquera de familismo se não fosse prova deprimente e chocante de que tal coisa ocorre no centro do governo mais popular da história. O caso do trio poderia, pois, ser uma fresta de luz sobre mazelas nacionais, mas muita vez é só fofoca de moralidade ou seriedade ambíguas.
O trio não causa apenas indignação. Nem só repulsa bem justificada. Por um lado, o governismo lunático diz que a denúncia de Erenice é conspiração; o cafajestismo nacional releva sem mais a atitude de Neymar; há leniência em dizer que Tiririca é "voto de "protesto". De outro lado, parte da indignação recende a farisaísmo, pois a evidência de pesquisas de opinião ou as corrupções cotidianas mostram ampla tolerância dos cidadãos com crimes e contravenções. Por fim, certa crítica ao trio não passa de preconceito contra (ex-)pobres e gente escura.
Há mais que conivência: há particularismo mistificador na crítica. O futebol é viciado, violento e cafajeste de alto a baixo. Um Tiririca sem humor, Severino Cavalcanti, já presidiu a Câmara. Mas note-se que parlamentares "históricos" e poderosos são perigo maior que o(s) palhaço(s). No mais, nem sabemos quantos Tiriricas serão eleitos nem quantos "candidatos sérios" são na verdade Tiriricas ou coisa bem pior.
Estados inteiros (Amapá ou Mato Grosso do Sul são só alguns deles) sofrem saques de quadrilhas no poder. Clientelismo e negocismo são crônicos e mais graves no poder federal. Mas, finda a eleição, Erenices viram apenas nota de pé de página.
Enfim, muita crítica é apenas moralizante ou queixa afetada. Quem, que grupo ou que partido apresenta uma crítica ou ação POLÍTICA para lidar com esses "atrasos"?

vinit@uol.com.br


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