São Paulo, quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

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Davos coloca o capitalismo no divã

Aumento da desigualdade após a crise e "demonização" de corporações são debatidos no Fórum Econômico Mundial

Superaquecimento de emergentes e incerteza de recuperação no mundo desenvolvido são consenso no fórum

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A DAVOS

De repente, no meio de um morno debate sobre "a nova realidade econômica", o moderador, Michael Elliott, editor da revista "Time", puxou para a mesa um artigo de Robert Samuelson, com o provocativo título de "O capitalismo sob sítio".
Uma bela provocação, se se levar em conta que Elliott não estava no Senegal, no Fórum Econômico Social, mas em Davos, o coração anual do capitalismo, que todo janeiro põe os líderes das grandes corporações a debater os horizontes globais.
A provocação colou. James Turley, executivo-chefe da Ernst & Young, dos EUA, queixou-se de que as corporações haviam sido excessivamente "demonizadas" no ano anterior. Devolveu a provocação: "Quanto mais se demoniza, menos empregos se criam".
"Sir" Martin Sorrell, executivo-chefe da britânica WPP, o maior grupo do mundo em serviços de comunicação, com receitas de US$ 15 bilhões, ecoou: "Não temos organização internacional de negócios como o G20", em alusão ao grupo.
A Zhu Min, que foi vice-presidente do BC chinês até 2010, quando passou a ser conselheiro especial do FMI, coube a tarefa de introduzir o tema que mais incomoda o capitalismo:
"A desigualdade é o mais sério tema individual a enfrentar", disse.
Pôs números na sua tese: até a crise de 1929, 1% dos norte-americanos ficavam com 48% da riqueza, porcentagem que caiu para 28% em 1968, mas voltou aos 48% na crise do período 2008/09.
Coube a um sindicalista apresentar um número ainda mais impressionante: "Nos últimos dez anos, os salários perderam para os lucros dez pontos percentuais de sua participação na renda nacional", disparou John Evans, secretário-geral do Comitê Assessor para os Sindicatos da OCDE, o clubão dos países mais ricos do mundo.
Para fechar o círculo do suposto cerco ao capitalismo, Davos incluiu uma sessão sobre "a nova realidade do capitalismo de Estado", expressão que antigamente se aplicava à URSS e agora se usa basicamente para a China.
O chamado "Consenso de Pequim", como também é chamado, prevê uma ditadura de partido único, forte intervenção na economia, mas mecanismos de mercado.
Ao colocar o capitalismo no divã, não quer dizer que Davos está minimizando a recuperação da crise. É muito mais um reflexo da profundidade do abalo havido a partir de 2008/09. Zhu Min pôs número na profundidade do buraco: a recuperação da economia mundial devolveu a produção global ao nível de 2008, o que significa que foram dois anos de crescimento zero.

DUAS VELOCIDADES
Reflete também o fato de que a recuperação se dá em duas velocidades, constatação feita ontem. O melhor resumo é de Il Sakong, representante do presidente da Coreia para a cúpula do G20, realizada em novembro na capital coreana:
"Os mercados emergentes estão superaquecidos, e, no mundo desenvolvido, a recuperação é incerta".
Incerta, mas recuperação de todo modo, o que levou Nouriel Roubini, professor da Universidade de Nova York, a dizer que via o copo meio cheio, meio vazio.
Seria um lugar-comum se Roubini não fosse conhecido como "Senhor Apocalipse", sempre disposto a previsões catastrofistas.
A parte cheia do copo é conhecida, mas vale a pena resumir a parte que Roubini vê vazia: o crescimento na Europa e nos EUA é anêmico, até porque ainda falta corrigir o excesso de endividamento.
Por mais que haja tais sombras, o capitalismo acabou saindo airoso do dia em Davos.
O chinês Zhu Min diz que seus compatriotas, se consultados sobre o modelo que gostariam de ter, responderiam que querem uma casa grande, um carro grande e uma boa aposentadoria.
"O modelo americano", resumiu Zhu Min, para um suspiro de alívio da plateia.


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