São Paulo, quinta-feira, 30 de junho de 2011

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VINICIUS TORRES FREIRE

Umas perguntas sem açúcar


Fusões podem até ser úteis, mas há dúvidas sobre o Pão de Açúcar e sobre o apoio do BNDES a conglomerados


NÃO É difícil fazer o elogio da concentração do negócio de supermercados no Brasil. Sim, elogio da concentração. Tanto quanto é necessário fazer a crítica dos oligopólios privados, que se multiplicaram com a privatização dos anos 1990 (sob FHC) e com a formação dos conglomerados "campeões nacionais" dos anos 2000 (sob Lula).
O aparente paradoxo serve para organizar uma crítica possível à fusão entre Pão de Açúcar e Carrefour, indiretamente subsidiada pelo BNDES (pelo braço de participações do bancão estatal, a BNDESPar).
Primeiro, o elogio da concentração do varejo.
Cerca de metade das vendas de supermercados ocorre em empresas pequenas com menos de 1% do mercado. Trata-se muita vez de negócios pouco eficientes, com pouco acesso a tecnologia, a produtos "de ponta" (marcas mais caras e melhores), com logística precária etc.
Se fosse possível concentrar tais negócios, haveria ganho econômico geral. Na verdade, tem havido alguma concentração desde a abertura da economia e da estabilização, a partir de 1996-97 -e isso foi bom.
Logo, a concentração que mereceria elogio é aquela da parte de baixo da tabela do campeonato de vendas dos supermercados, não a dos líderes de mercado (Pão de Açúcar, Carrefour e Walmart).
Mas a organização desse mercado pulverizado depende de haver logística, escala e renda locais suficientes para interessar a um investidor maior. Depende de fatores alheios à estratégia das empresas.
Por falar ainda em concentração: não dá para acreditar nessa conversa de Pão de Açúcar, Carrefour e BTG de que o novo megavarejista não vai dominar o mercado, dado que teria apenas 32% das vendas, "como o Walmart, nos EUA".
Ressalte-se: 1) Não é assim que se mede concentração, apenas por fatia de vendas; 2) É preciso saber a fatia da nova empresa em mercados "relevantes"; 3) É preciso considerar como o poder de barganha com os fornecedores centrais, nas regiões mais ricas, vai influenciar o resto do país; 4) É preciso saber se o Novo Pão de Açúcar vai investir em marcas próprias a ponto de pressionar por vantagens indevidas.
Isto posto, diga-se que o negócio talvez não prejudique o consumidor. Mas o que se ouviu até agora a respeito é conversa fiada.
Segundo, os conglomerados criados com ajuda do Estado.
Por que o BNDES vai baratear a formação de outro conglomerado? Para garantir a propriedade do capital por uma família, "capital nacional" (embora estrangeiros venham a ter a maioria das ações)?
A que serve investir nessa outra empresa "campeã" (exceto, talvez, aumentar a rentabilidade dos negócios da BNDESPar, o que é bom, decerto)? Criar uma múlti brasileira do varejo? Mas investindo num mercado estagnado como o francês (e não, talvez, num "emergente")?
Qual o ganho geral do negócio para os brasileiros ou para a eficiência do país (certo, o Carrefour vai mal aqui, mas não é preciso o BNDES para se tomar o lugar dele)? O objetivo é vender produto brasileiro nas gôndolas francesas? É piada, pois o grosso dos empecilhos ao comércio de produtos brasileiros lá fora não passa por aí. O que o fato de Abilio Diniz ser luliano de primeira hora, no empresariado, tem a ver com o apoio oficial ao negócio?

vinit@uol.com.br


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