São Paulo, sábado, 30 de outubro de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

JAGDISH BHAGWATI

Responsabilidade social da empresa


A responsabilidade social das empresas deve ser exercida de forma livre, sem interferência externa


AS GRANDES empresas vêm sofrendo cada vez mais pressão, muitas vezes de organizações não governamentais ativistas, para que assumam obrigações específicas de "responsabilidade social empresarial" (RSE). Mas o fato de que a RSE esteja sendo exigida, e ocasionalmente concedida, não garante clareza quanto aos motivos para que isso aconteça ou às maneiras pelas quais deva ser assumida.
A RSE pode ser dividida em duas categorias: aquilo que as empresas deveriam fazer (por exemplo, contribuir para uma ONG que defenda os direitos da mulher, ou construir uma escola em uma aldeia) e aquilo que deveriam não fazer (ou seja, não jogar mercúrio nos rios ou não enterrar materiais perigosos em aterros sanitários). A segunda categoria é bastante convencional e está sujeita à regulamentação.
Mas será que as obrigações de RSE constituem realmente uma boa prática empresarial? Milton Friedman e os demais críticos desse tipo de proposta muitas vezes questionam se o negócio de uma empresa deveria incluir o altruísmo corporativo. Antes da ascensão das grandes empresas, o que existia eram basicamente companhias familiares, como os bancos dos Rothschild. Quando eles lucravam, o dinheiro beneficiava basicamente a família proprietária. O altruísmo, caso existisse, também era empreendido pela família, que decidia como e em que gastar seu dinheiro.
Com a ascensão do modelo corporativo para as empresas, as grandes companhias familiares tenderiam a desaparecer. Mas isso não significa que uma empresa se tenha tornado a entidade certa para a prática do altruísmo ainda que as diversas partes interessadas possam, obviamente, gastar de maneira altruísta qualquer porção do dinheiro que ganham por meio da empresa e outras fontes. Nesse caso, em lugar de RSE teríamos responsabilidade social pessoal (RSP).
Seria possível defender a RSP com a alegação de que apelar por RSE se torna uma forma de "transferir a responsabilidade", ou seja, evitar o dever pessoal de fazer o bem. Esse é o avesso da tendência de culpar as grandes empresas por tudo que exista de errado, da obesidade a queimaduras causadas por café servido quente -duas questões que foram alvo de processos judiciais nos últimos anos.
É difícil determinar como as partes interessadas envolvidas no controle de uma empresa poderiam chegar de forma democrática a uma posição comum sobre o desempenho da responsabilidade social pela companhia, em nome delas. Cada uma das partes considerará que sua opinião quanto à RSE é a melhor.
Mas também existem fortes argumentos em favor da RSE. Primeiro, a realidade política é a de que a sociedade trata as grandes empresas como se fossem pessoas, o que muitas vezes constitui uma realidade judicial, para diversos propósitos.
Em segundo lugar, muitas empresas veem a RSE como uma estratégia de defesa eficiente contra ONGs poderosas e ativas (como o Greenpeace), que passaram a recorrer à agitação on-line, a boicotes e a outros meios a fim de "chantagear" as grandes empresas que tomam por alvo e forçá-las a aceitar as exigências dos ativistas. Por fim, a RSE pode ser simplesmente um esforço de propaganda.
Nesse caso, a opção de como investir as verbas a isso reservadas tem por foco direto a elevação de receitas, como no caso da publicidade convencional, e aumentar as vendas, também como a publicidade convencional.
Todos esses motivos para a RSE sugerem que cada empresa deveria determinar como agir, da mesma forma que a RSP é deixada à consciência e ao juízo de cada indivíduo quanto às causas que necessitam de amparo. A tentativa de algumas ONGs e ativistas de colocar a RSE em uma camisa de força que reflita suas prioridades não é correta e deve ser rejeitada.
Em lugar disso, o modelo deveria ser o Global Compact, iniciativa de Kofi Annan, ex-secretário-geral da ONU. O que Annan fez foi adotar dez princípios de orientação amplos, deixando às empresas signatárias uma escolha livre quanto àqueles que desejam apoiar de forma ativa.


JAGDISH BHAGWATI é professor de economia e direito na Universidade Columbia e pesquisador de economia internacional no Conselho de Relações Estrangeiras dos Estados Unidos. Este artigo foi distribuído pelo Project Syndicate.

Tradução de PAULO MIGLIACCI

AMANHÃ EM MERCADO:
Martin Feldstein



Texto Anterior: Vaivém - Mauro Zafalon: Monocultura na pastagem preocupa Embrapa
Próximo Texto: Energia: Executivos pagam para encerrar processo
Índice | Comunicar Erros



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.