São Paulo, terça-feira 08 de abril de 2008

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Roça global

Matuto Power

Resgatada na música, no cinema e até na política, estética folk-country também reaparece na moda

por Vivian Whiteman

Deu mato na moda. Muito xadrez, botas de caubói, vestidos hippies e um perfume setentista apareceram na temporada brasileira de inverno. De forma mais literal ou em propostas mais diluídas e luxuosas, elementos de estilo do folk e do country ganharam lugar de destaque nas coleções de grifes como Reinaldo Lourenço, Alexandre Herchcovitch, Amapô, Gisele Nasser e Marcelo Sommer.

O revival do look "ruralizado" não é exatamente uma novidade. No final dos anos 60 e durante os 70, elementos dessa estética foram incorporados ao visual folk -identificado inicialmente como uma roupa de forte apelo popular, às vezes com referência étnica- dos hippies e ao chamado estilo boho (de "bohemian") -denominação genérica para o look de artistas, músicos e poetas identificados com um lifestyle alternativo e noctívago.

Nos anos 80, o filme "Caubói do Asfalto", com John Travolta, massificou a onda do caubói urbano, que já havia alcançado sucesso nas mãos de vários estilistas, especialmente o americano Ralph Lauren, com seus mauricinhos e patricinhas da fazenda. Mais recentemente, em 2006, o estilista Marc Jacobs recriou vários jeans clássicos da Wrangler, feitos no estilo caubói nas décadas de 40 e 50.

Outros estilistas apostaram no look, e na seqüência duas grandes trendsetters consolidaram a volta do boho, agora boho-chic, e das botas de caubói: a atriz Sienna Miller e a top Kate Moss, que apareceram com as peças dezenas de vezes em revistas do mundo todo e divulgaram o novo/velho hype.

A moda faz largo uso da repetição para se retroalimentar de novas tendências e manter o comércio em constante movimento. Mas por que reeditar looks tão específicos em um espaço de tempo de apenas dois anos?

Para a consultora Mariana Rocha, professora de estilismo da Faculdade Santa Marcelina, a resposta para essa indagação passa pela música folk. "Acredito que, depois do hype da roupa tecnológica, emerge nas grandes cidades a necessidade de uma estética mais crua e simples. Isso está de certa forma conectado ao revival da música folk e ao novo hype de Bob Dylan, que ressurge para as novas gerações na figura do caubói justo", analisa Mariana.

A estilista Fabia Bercsek acredita que, ao contrário de outras tendências determinadas pelos birôs de estilo, o hype brasileiro dos "roceiros" vem de um certo "feeling" próprio do que está soprando nos ventos de nosso tempo. "Acho que há um desejo de mudança no mundo, que na moda remete aos hippies e aos anos 70. O folk sugere a liberdade e a verdade que você traz no peito e no sangue", diz a designer, que tem na estética folk uma das bases de estilo de sua grife.

Fabia chegou a fazer uma coleção toda inspirada em sua "musa" Stevie Nicks, cantora da banda de folk-rock Fleetwood Mac e adepta do estilo boho-gipsy. Este look, inspirado nos antigos clãs ciganos, está sendo revisitado pela banda multiétnica Gogol Bordello. O grupo, apadrinhado por Madonna e queridinho dos modernos, é uma espécie de Novos Baianos versão Leste Europeu. Os principais integrantes do Gogol são imigrantes russos e ucranianos que vivem em Nova York.

Dylan está aqui
Neste ano, a folk music, em versões acústicas e plugadas, atingiu o ponto alto de um revival iniciado por volta de 2006. Bob Dylan, que tocou no Brasil no mês passado, é o ícone-inspirador dessa retomada.

Além de livros sobre sua carreira, o cantor ganhou também uma homenagem do cineasta Todd Haynes, no elogiado "Não Estou Lá", que estreou em São Paulo na última semana. "Artistas como Dylan, Devendra Banhart e muitos outros sugerem a retomada da memória afetiva, da tradição e dos valores simples da vida", diz o estilista Marcelo Sommer, que usou temas rurais/western em sua última coleção.

E, assim como seu "guru", os fãs de Dylan estão dando o que falar na música. Novos destaques da música brasileira, como a banda cuiabana Vanguart e a cantora Mallu Magalhães (ambos serão o destaque do novo site de música e moda da Levi's, que estréia neste mês) bebem da fonte do cantor e, ao mesmo tempo, trazem um frescor e uma autenticidade criativa como há muito não se via.

As "novas Joan Baez", como a imprensa americana vem chamando as jovens cantoras de folk, embora elas não tenham o forte apelo político das canções da original, também estão ganhando espaço na mídia. Entre elas, a californiana Alela Diane ocupa lugar de destaque. O disco "The Pirate's Gospel", de Alela, ficou na 10ª posição do ranking dos melhores álbuns de 2007 da renomada revista francesa "Les Inrockuptibles". "Canto as coisas que amo, como os cenários de Nevada City [nos EUA], minha cidade natal, minha casa. Vejo os rios, os pinheiros, aqueles pinheiros que guardam muito de mim", disse a cantora à Folha (leia entrevista ao lado).

Caipiras e caubóis
No Brasil, o resgate mergulha nas cidades do interior, chegando aos lamentos da roça das duplas caipiras brasileiras, como Tião Carrero e Pardinho, grande influência da banda curitibana Charme Chulo. "Existe muito preconceito em relação aos caipiras do Brasil, que têm uma qualidade de letras, de instrumental e de melodias que merece ser resgatada", diz Igor Filus, vocalista do grupo e adepto confesso das camisas xadrez estilo roça.

O novo videoclipe do Charme Chulo, que estreou há pouco na MTV, chama-se "Mazzaropi Incriminado", um exemplo do surpreendente pós-punk rural, com violas caipiras, que caracteriza o som da banda. A música, entre outras coisas, homenageia o ator e cineasta Amácio Mazzaropi, que levou matutos e jecas às telas de cinema.

Nos EUA, o estilo caipirão, diferente do de Dylan, mais intelectualizado, sempre esbarra em Woody Guthrie e Johnny Cash. O guarda-roupas de Cash, aliás, é um dos mais copiados. Boa parte de suas roupas mais célebres, como os ternos estilo caubói fino, os sobretudos estilo western e as jaquetas com franjas, foram criadas pelo estilista mexicano Manuel Cuevas, 69, grande difusor do estilo folk-country na moda desde os anos 60.

Além de Cash, ele também vestiu Bob Dylan e até os Beatles (são dele os célebres uniformes militares coloridos que John, Paul, George e Ringo usam na capa do histórico "Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band"). Muitas das roupas criadas pelo estilista, que já passou dos 70 anos e fez uma breve reaparição na semana de moda de Nova York em 2006, foram vendidas pelas maiores casas de leilões do mundo.

Sempre lembrada pela música e pelo cinema, a figura do caubói tem estado muito presente também no cenário político. O responsável pelo feito é o nada elegante George W. Bush, presidente dos Estados Unidos. Parte da popularidade de Bush, atualmente em brusca queda, foi construída sobre a imagem do texano simples, que ele já completou várias vezes com a clássica "dupla" chapéu de caubói e cinturão com fivela metálica.

No Salão Oval da Casa Branca, Bush mantém seus quadros preferidos, incluindo "A Charge to Keep", de W.H.D. Koerner, que tem o mesmo título da autobiografia de Bush lançada em 1999. Segundo o próprio presidente, a obra contém a imagem do "caubói cristão" que tem inspirado a sua carreira política.

Em 1995, quando era governador do Texas, Bush mandou aos empregados de seu gabinete um memorando, no qual falava de sua recém-adquirida pintura - a imagem mostra um homem jovem sobre um cavalo, seguido por outras pessoas com semblantes empolgados. Segundo o texto escrito pelo presidente, a obra teria sido inspirada por um hino religioso (Bush é membro da Igreja Metodista), escrito no século 18 por Charles Wesley. Os versos falam sobre como cumprir um destino em nome de Deus.

Segundo o livro "The Bush Tragedy", do jornalista Jacob Weisberg, editor-chefe da revista "Slate", a coisa não é bem assim. A pintura foi criada originalmente como ilustração do conto "The Slipper Tongue" (algo como "a língua escorregadia"), de William J. Neidig, publicado em 1916. A história falava de um ladrão de cavalos que consegue escapar de um linchamento. Na pintura de Koerner, o ladrão aparece fugindo, com alguns cidadãos enfurecidos correndo atrás dele.

Como já mostraram a história e os faroestes de Hollywood, nem sempre os caubóis são heróis.

Entre rendas e plumas
Em turnê pela Europa, a cantora Alela Diane, uma das estrelas da nova cena folk, tenta manter sua atitude zen, mesmo com uma agenda intensa e diversos shows com ingressos esgotados. Nascida em Nevada City, nos EUA, Alela tem 25 anos e trabalhou como garçonete antes de começar a cantar. Numa de suas poucas folgas, ela falou à Folha sobre música, moda e sobre suas estimadas coleções de plumas de pássaros e rendas antigas:

É verdade que você coleciona rendas antigas e plumas?
Sim, tenho muito carinho por essas coleções. Se encontro uma pena de pássaro, coloco no cabelo ou em minhas botas. Também costuro pedacinhos de rendas antigas em minhas roupas e nos meus brincos. As penas de pássaros voaram por aí, viram muita coisa. Gosto do mistério por trás dessas peças.

O que acha do revival do look folk na moda?
Acho interessante, se você realmente estiver querendo viver de forma mais simples e confortável, sem se preocupar tanto com o visual. Mas comprar roupas caríssimas para parecer despojado não me parece algo bacana.

Existe uma nova cena folk no Brasil. Você pensa em se apresentar no país?
Claro, tenho muita vontade de conhecer o Brasil. Minha cunhada, que está grávida, é brasileira, e eu gostaria muito de saber mais sobre as raízes dela e desse bebê que vai chegar. Mas turnês são complicadas, ainda não há nada certo.

Você já está preparando um novo disco?
Sim! Estou tão ansiosa para mostrá-lo... Minhas novas canções seguem na trilha do folk, são como crianças para mim: tenho cuidado delas com carinho e agora acho que está chegando a hora de lançá-las para o mundo. O CD sai neste ano, mas a data ainda será definida.



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