São Paulo, quinta-feira 18 de dezembro de 2008

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Editorial

Identidade e autismo

por Alcino Leite Neto

O que é a moda brasileira? Ao contrário da literatura e das artes do país, que se defrontaram com a questão de sua identidade nacional desde o século 19 até meados do 20, a moda ainda não se desembaraçou deste problema. Volta e meia a pergunta reaparece em debates públicos, como ocorreu no último evento "Pense Moda", em novembro. Ocorre que até o final dos anos 50, não existia nada que se pudesse chamar de "moda brasileira". O que havia eram cópias dos modelos europeus, que determinavam a estética internacional. Balbucios de uma moda própria do país foram dados a partir daquele período, e algumas manifestações artísticas, como o tropicalismo, ajudaram o meio fashion a desenvolver um certo gosto por nossas particularidades nacionais. Quando a moda no Brasil efetivamente apareceu como ato criador de designers autorais, nos anos 90, graças ao surgimento das fashion weeks nativas, a questão nacional já não tinha tanta importância. O que interessava, para o país e para a moda, era mostrar a sua vontade de se integrar à nova onda de globalização. A questão da "identidade", porém, não desapareceu de cena. Com a crescente profissionalização do meio e o desenvolvimento de negócios fora do país, ela reapareceu _não como dúvida criativa, mas como problema de marketing. Para se distinguirem no mercado global, marcas não hesitam agora em adotar variados estereótipos sobre um tal de "Brazilian lifestyle", sintetizados no clichê-rei que nos define como seres que levam uma vida muito sensual, colorida e descontraída num eterno verão à beira-mar. Hoje, quando falam em "identidade brasileira" ou "estilo brasileiro", os profissionais da moda em geral estão pensando sempre na melhor embalagem publicitária dos produtos para um sonhado mercado mundial. É o estágio em que estamos: para a moda, a "identidade brasileira" virou um problema do marketing, não mais da cultura. Por isso, nos debates entre fashionistas, há tanta loquacidade e tão pouca clareza quando vem à baila a "questão da identidade". O mundo social brasileiro é simplesmente abolido nestas discussões, que parecem feitas por ventríloquos de publicitários. Só há dois motivos para voltar a falar em identidade brasileira neste momento: primeiro, para livrar a moda dos novos clichês da nacionalidade que o marketing amontou sobre ela; segundo, para arrancar o meio da moda de seu autismo e fazê-lo redescobrir a complexa realidade do país no século 21.

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