São Paulo sexta-feira 28 de março de 2008

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Moda de rua

O uniforme das gostosas

A paixão das brasileiras pela calça justa não tem data para sair de moda

por Simone Esmanhotto

Com passagem marcada para Londres, com o objetivo de fazer pesquisas para a coleção do inverno-2009, a estilista Adriana Bozon, diretora de criação da Ellus, arrumou as malas certa de que iria testemunhar o fim do império da calça "skinny".

Adriana esperava comprovar que, depois de mais de três anos de domínio das calças justas, agora seria o momento de fazer muitas "flare", modelos de boca larga bem no espírito dos anos 1970, e "long legs", cujo segredo é dar a ilusão de ótica de quilômetros de perna. No entanto, a estilista viu coisa bem diferente nas ruas londrinas. "Toda a moçada bacana estava de 'skinny' e de tênis", conta, frustrada. "Foi um balde de água fria nas minhas vontades estilísticas."

No próximo inverno, como não era de se esperar, a "skinny" continua forte. Na Ellus, estará em oito versões. É bem menos do que os 14 modelos que a marca, com 30 anos de história, apresentou no inverno passado. Mas é o suficiente para atender a parcela de consumidores da grife apegada à calça justa _cerca de 15%.

Na 7 For All Mankind, aberta em novembro no shopping Iguatemi, a disputa é bem mais apertada. Dos cem modelos disponíveis, a top de vendas é a "boot-leg" (aberta a partir da canela, para acomodar, como o nome indica, o cano da bota). Na cola, vem a "skinny". Na TNG, as calças justas agarram em torno de 80% das mulheres.

Na Calvin Klein, as consumidoras também não desgrudam da "skinny" e da "superskinny". Dos 99 modelos para o inverno 2009, 27 são da primeira categoria (com 94 cm de cintura, 53 cm de coxa, 17 cm de bainha); 24 pertencem à segunda (92 cm, 51 cm e 16 cm) _uma espécie de legging feita de indigo. Ou seja, pouco mais da metade de todas as calças com etiqueta CK fica nas medidas enxutérrimas. "De Nova York, os diretores criativos nos pedem para investir nas modelagens mais inovadoras, mas aqui elas simplesmente não pegam", diz Cristiane Ruiz, estilista da marca no Brasil.

Basta sentar num dos bancos da rua Oscar Freire para medir o sucesso da "skinny". A reportagem da Folha circulou uma hora no quarteirão formado pelas ruas Haddock Lobo, a Oscar, a Augusta e a Lorena e contou apenas um jeans saruel, algumas minis e dezenas de calças justas.

O que começou como a febre "quero-ser-Kate-Moss" virou uniforme entre meninas, moças, mulheres, baixinhas, altas, tamanhos P, M, G, bem-nascidas e salários de três dígitos.

Pouco importa que Kate Moss tenha 58 cm e 89 cm de cintura e (projeto de) bumbum _medidas equivalentes ao 34 (a bem da verdade, o primeiro modelo de calça grudada foi Mick Jagger, outro com medidas quase negativas de quadril). E que o tamanho médio das brasileiras seja 40 _70 cm de cintura e 1 m de quadril (nas medidas adotadas pelas confecções).

"De modismo, a 'skinny' passou a clássico", afirma André Piedade, da 7 For All Mankind. Trata-se da ditadura da calça justa. E não há democracia de estilos que faça as seguidoras do regime justo mudarem de idéia. "Estão dizendo que a tendência vai ser de calças com boca larga, mas eu nem penso em me adaptar", afirma a consultora de moda Renata Wirley, de "skinny" Triton, na esquina das ruas Augusta e Oscar Freire.

O que torna a "skinny" tão popular vai além da explicação "tá na moda!". Parece uma vitrine feita sob medida para algo que já se tornou um clichê da vida nacional: a obsessão pelas curvas do corpo feminino, vulgo a cultura da bunda. Junto com essa velha característica, vem se firmando desde os anos 1960 um culto à descontração.

Em outras palavras, brasileiras precisam ser sexy 24 horas por dia e precisam ser informais. "A calça apertada evidencia o corpo, que é o lugar em que se diz 'sou saudável, jovem, feliz, tenho apetite sexual', e mostra que a mulher está à vontade, como se não estivesse usando nada", explica Denise Sant'Anna, professora de história da PUC-SP, autora do livro "Políticas do Corpo" (Ed. Estação Liberdade).

É esse lado "peep show" que mais perturba quem faz moda. Para diminuir o efeito sexy, muitas marcas cuidam para que a dose de elastano misturada ao algodão do jeans não ultrapasse a linha do que é considerado de bom-gosto e não deixe a mulher com aparência de que foi embalada a vácuo. Ou, como diz Adriana Bozon, "esturricada". A Ellus controla o efeito elástico. A Calvin Klein delimita a oferta até o tamanho 42, para evitar que quem está muito acima do peso tente entrar numa "superskinny".

Modelagem é outro trunfo. Uma "skinny" da linha roqueira é por definição andrógina. "O cós é baixo, os bolsos maiores são costurados mais para baixo e as costuras laterais são simétricas, para não fazer a mulher parecer popozuda", diz Cristiane Ruiz.

É o oposto do que vende a Gang, a marca nascida num subúrbio carioca, cujos jeans justérrimos, favorito das funkeiras, estouraram em 2004. A fórmula da sarja é mantida em segredo pelo fabricante, mas quem veste garante que é confortável como "uma calça de ginástica". Os bolsos, menores, são costurados mais para perto do cós. E as costuras laterais são jogadas para a frente do corpo. Tudo para que o bumbum pareça "grande e mais redondo", como diz o marketing da marca.

"Há 'skinnies' e 'skinnies'", reflete Tito Bessa Jr., dono da TNG. Mas todas dão às mulheres a chance de aproveitar o efeito modelador do jeans com elastano e, de quebra, ganhar pontos com o universo masculino. "A calça justa valoriza mais. Você fica mais bonita, se sente mais bonita, e isso se traduz em mais olhares", diz a estudante Gabriela Monteiro da Silva.

André Piedade e Tito Bessa Jr. garantem que os homens olham o conjunto da obra, jamais (e apenas) a parte de baixo do Equador. "Pensar só na bunda é empobrecer a idéia de sensualidade. Primeiro, não é preciso ser sexy o tempo todo. Segundo, existem o colo, as pernas, o pescoço... Falta sutileza", diz Denise. É fato que a calça justa já entrou para o closet, mas isso não significa que ela precise sair dele o tempo todo. Como diz a professora da PUC, "o mundo pode ser mais amplo do que a calça 'skinny'".

Renata Wirley, consultora de moda, veste Triton. Só entra em calça justa. Ao todo são 15 no armário, muitas coloridas: "Gosto da 'skinny' porque ela veste bem, acentua o corpo. E vai com tudo: chinelo, bota, sapatilha e qualquer tipo de blusa. Estão dizendo que a moda vai ser de calças com boca larga, mas eu nem penso em me adaptar".

Gabriela Monteiro da Silva, estudante, de jeans Rock Lilly, e Cecília Ribeiro, dona de uma clínica de estética, de Diesel. Mãe e filha multiplicam a vida útil das calças justas, uma pegando emprestado o par da outra: "A calça mais justa fica melhor no corpo, valoriza mais", diz Gabriela. Sua mãe concorda: "Não vejo restrição nem de corpo nem de idade para usar a calça justa. Quem está acima do peso ou as baixinhas podem usar com salto para ficar mais elegante".

Alana Faria, vendedora, de "skinny" Guess. Tem 20 calças "skinnies", da mais clara à mais escura, da rasgada à com aplicações: "Meu jeans preferido é o 'skinny', apertadinho, porque vai com tudo. Dá para usar com salto ou sapato baixinho. E não vai sair de moda, por isso é um investimento seguro. Uso direto -não gosto de minissaia- e troco no máximo por uma legging. Modifico a parte de cima e vou a qualquer lugar. Com uma 'skinny' escura e uma blusa arrumada, por exemplo, vou para a balada. Só não dá para ir a um casamento. Se eu levo mais cantada quando estou de 'skinny'? Ah, essa pergunta é difícil..."

Isabela Gregori, estudante, com "skinny" comprada na Rua José Paulino, no Bom Retiro. Tem "skinny" preta, desbotada, índigo, roxa e amarela: "Não gosto das calças folgadas. As bocas-de-sino ficam legais com plataforma, mas como não sei andar de salto, só uso sapato baixo, e eles acabam desaparecendo nesse tipo de calça. A 'skinny', não. Só tem que tomar cuidado com o que vai vestir. Eu, que sou mais gordinha, tenho que usar com blusa mais folgada, para não enfatizar. Mas ela é confortável, modela o corpo, dá ênfase às pernas, desenha a silhueta feminina e disfarça mais. E está na moda".


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