São Paulo, sexta-feira, 27 de junho de 2008

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Jeito de morar

Mistura fina

Cores, tecidos e estampas renovam velhas peças de família, que fazem companhia a móveis de linhas retas, novinhos em folha. Aí está o truque da decoração, que leva a assinatura da dona da casa

por CECÍLIA REIS

A sogra quase "surtou" diante da releitura de seu sofá, logo no hall de entrada da casa. A preciosa peça -autêntico exemplar do estilo Luís 16-, perdeu o acabamento folhado em ouro e o estofado de "gobelin", para se vestir de tecido emborrachado cinza, no mesmo tom da pátina aplicada sobre os delicados entalhes da madeira. É claro que o filho, Pedro, herdeiro do móvel, já havia preparado o espírito da mãe. Ainda assim, o susto foi grande. Mais surpresas viriam casa adentro. Outros móveis da família haviam passado por uma reforma geral e adquiriram novas cores, novos revestimentos, nova personalidade. Foi esse o recurso que a nora, Maria, adotou para dar unidade às tantas heranças que garimpou na hora de mobiliar os 500 m2 do apartamento, espaço bem maior do que somava o anterior, com seus 150 m2.

Venezuelana, 39, há 13 anos radicada no Brasil, a economista Maria divide a autoria do projeto com o irmão, José Luís Alarcon, publicitário de diploma e arquiteto de coração. "Depois de comprar o imóvel, ficamos sem caixa para decorar", diz. A saída: "fazer um shopping" na casa dos parentes do marido, onde o mobiliário sempre foi farto e de bom gosto. Além da sogra, outra grande fornecedora foi tia Beni, apelido de Benedita Cunha Vascon-celos, autora de várias das telas que enfeitam as paredes. Na excursão pelo living, algumas peças inspiram lembranças. "Os móveis estavam abandonados, caindo aos pedaços", conta Pedro. "Depois que viram o efeito das intervenções de Maria, meus irmãos começaram a se interessar pelo acervo."

Orgulhosa de seu trabalho, a dona da casa mostra o diário da obra -um caderno com anotações de idéias, listas de compras, amostras de tecido, orçamentos, notas, tudo organizado ambiente por ambiente. Com esse inventário em mãos, ela responde a qualquer pergunta: "Quer saber do marceneiro responsável pela cirurgia de rejuvenescimento das peças da família?". Está tudo lá.

A versão atualizada do sofá Luís 16 ainda hoje aborrece imensamente a sogra -sempre que o assunto vem à baila, ela retruca que, graças a Deus, ainda lhe restam quatro poltronas do conjunto. No entanto, outros antes-e-depois não causam tanta celeuma, como a laca branca que clareou a estante de madeira escura do escritório. Um dos recursos usados pela dupla para remoçar as heranças foi justamente a cor. Na sala de jantar, oito cadeiras de modelos e idades diferentes dialogam gentilmente entre si, unidas pela pintura em preto. "Cor é um recurso transformador. E divertido. Sozinha já anima e atualiza o ambiente. No apartamento em que morávamos antes, cada cômodo tinha um tom -cinza, lilás, verde, amarelo", conta Maria. Será que um toque de laranja vai bem na sala de jantar? "Se não funcionar, basta mudar a cor".

Nessa casa, o antigo e o novo convivem em paz. Peças contemporâneas se compõem sem dramas como móveis do século passado. As antiguidades ganham ares renovados, sem no entanto perder as vantagens da maturidade -madeira nobre, marcenaria cinco estrelas, garantia contra cupim, presença imponente. Tem quem se pergunte se elas carregam energias do passado, espécies de grilhões que nos prendem a outros tempos. "A nossa casa incorporou o antigo, mas as cores, os tecidos e a mistura com peças novas imprimiram marca atual ao conjunto. A nossa marca", afirma Maria. É essa personalidade que domina o ambiente e encanta o visitante. Não fossem todos esses atributos, a casa ainda é ecologicamente correta. Trazer de volta à ativa móveis abandonados em vez de sacrificar mais árvores merece parabéns.

Cômoda

Estava mofando nos fundos da casa na chácara. Foi descoberta por Maria, que se encantou quando abriu as portas e viu que ali havia um rádio e uma vitrola -um vinil player, como se diria hoje. O mesmo azul intenso do escritório faz o fundo da parede e enfeita o retrato de tia Beni

Berinjela no lavabo

No espaço reduzido, típico de um lavabo, cabe um pouco de ousadia. A decoração minimalista se resumiu à escolha da cor, uma nuance de roxo apelidada de berinjela. O detalhe é que até o espelho se tingiu da mesma cor, e a moldura quase se mistura à parede

Estante remoçada

Modulada, com prateleiras removíveis, a peça domina e organiza o escritório. Veio desmontada da chácara da família e coube direitinho nesse canto da casa. Nos idos de 1950, era escura e convencional. Uma camada de laca branca sobre a madeira maciça e a peça ficou moderna, ganhou leveza e realce com o colorido dos livros. A graça do escritório são os tons de azul -um faz fundo à estante, outro enfeita as paredes laterais, e outro ainda está no tampo de vidro laminado sobre a mesa espaçosa, da Adresse

Transformação polêmica

Wagner, o tapeceiro da Jofre Decorações, estranhou o pedido e quase se negou a desprezar o tecido gobelin que originalmente estofava o sofá Luís 16, agora no hall de entrada. A intenção dos proprietários era justamente causar impacto ao usarem um tecido sintético em tom de cinza, quase triste -duas características inéditas no estilo. Na parede, a cor se repete no papel de seda, da Via della Seda

Nave espacial

Aqui tem cor até no piso. Revestido com resina líquida, que permite criar desenhos a gosto do freguês, o chão do quarto do filho de Maria foi estampado com uma mistura de azul e branco -e mais verde-limão da parede. Fanático por viagens interplanetárias, o garoto adorou a idéia de transformar o seu pedaço da casa em nave espacial. No teto azul, o desenho de planetas e constelações permite que a imaginação do pequeno terráqueo voe alto. Como se não bastasse, o quarto está liberado para pufe vermelho, pipa amarela e azul e toda sorte de coleções

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