São Paulo, sexta-feira, 27 de junho de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

100 anos

Tudo tão belo, tão zen

Espaços minimalistas, que primam pela economia de móveis, tatames e futons, objetos de cerâmica e jardins para meditar estão absolutamente incorporados ao modo de viver ocidental tudo influência da cultura japonesa

por MARIA EMILIA KUBRUSLY

Mesmo que você não tenha futon no quarto, um ikebana na sala e bowls de cerâmica na cozinha, pode ter certeza de que o Japão está presente na decoração de sua casa, nem que seja no armário embutido. No próprio armário embutido, aliás -uma das criações do país do Sol Nascente, hábil em lidar com restrição espacial e adepto da eliminação de excessos, conceito definido como minimalismo.

A estética despojada ditou moda em diversos setores durante os anos 1980, e não apenas no Brasil, onde a presença japonesa na arquitetura e no design são anteriores a essa década. São cem anos de convivência e trocas, que inseriram dezenas de objetos originalmente japoneses. Muitos ganham versões criadas por designers brasileiros ou inspiram inovações na forma ou no material: biombos, jogos americanos de palhinha, bandejas de bambu, copos de cerâmica, tatames, luminárias de papel, estampas inspiradas em grafismos.

A adoção de idéias e técnicas japonesas pelo Ocidente começou antes ainda da imigração para o Brasil, com a abertura diplomática e comercial do Japão que, até o ano de 1868, ainda sob regime feudal, mantinha-se isolado do mundo. Artistas plásticos, arquitetos e outros criadores europeus, especialmente os franceses, adotaram o estilo japonês como fonte de inspiração, em um movimento chamado "japonismo". Uma das conseqüências desses ventos inovadores do Oriente foi nada menos que a criação da escola Bauhaus, na Alemanha, em 1919, divisor de águas na história da arquitetura e do design contemporâneos.

É arriscado afirmar, portanto, quanto dessa influência entre os criadores brasileiros veio diretamente com os imigrantes, ou foi trazida por europeus e norte-americanos que adotaram conceitos e técnicas japoneses. "As mudanças na arquitetura sob influência do Japão começaram no início do século passado, com nomes como Mies van der Rohe e Frank Lloyd Wright. No Brasil, o arquiteto Oswaldo Arthur Bratke criou casas com essas referências, mas com soluções adaptadas aos trópicos. Um exemplo é seu projeto de 1950 para a residência de Maria Luísa e Oscar Americano [onde hoje funciona a fundação de mesmo nome, no Morumbi]." Quem diz isso é o arquiteto paulista Naoki Otake, que se especializou na arquitetura residencial japonesa.

Naoki morou quatro anos e meio no Japão, três dos quais em um templo budista, em uma vila afastada de Tóquio, onde participou da recuperação de uma casa rural. No ano e meio em que viveu na capital, trabalhou em um escritório que se dedicava a construir casas japonesas, "raras hoje em dia, porque são feitas de materiais naturais e montadas com encaixes e cravilhas", diz ele, que desenvolveu o projeto do restaurante Kinoshita, inaugurado em fevereiro deste ano, na Vila Olímpia.

A casa japonesa tradicional fica solta do solo, suspensa -forma encontrada para minimizar efeitos de terremotos. São usadas madeira, pedra, palha e água nos jardins de contemplação. Tem jogos de luz e sombra a partir de iluminação natural. E ainda apresenta espaços internos com poucos móveis e moduláveis, graças a paredes deslizantes, de papel (shoji).

Uma réplica de uma casa desse tipo está montada na exposição "Nippon - 100 Anos de Integração Brasil-Japão", no Centro Cultural Banco do Brasil do Rio de Janeiro (onde ficam até 13 de julho, seguindo depois para Brasília). Denise Mattar, curadora da mostra, revela sua surpresa ao ver a montagem da casa se consumar em apenas quatro horas. "São estruturas modulares de madeira, que se encaixam. Na Idade Média, o Japão já tinha conhecimento da construção pré-fabricada", afirma.

Simplicidade, beleza e funcionalismo estão presentes design de objetos japoneses. Essas qualidades são evidentes no trabalho de dois artistas que participam de mostras comemorativas do centenário da imigração -Kimi Nii, natural de Hiroshi-ma ("mas me sinto brasileira, porque vim para cá aos nove anos"), e Lucas Isawa, paulistano e nissei. A ceramista Kimi Nii está com suas peças na exposição do CCBB no Rio, o arquiteto Lucas Isawa, com duas exposições em São Paulo.

"Fiz desenho industrial na Faap quando se cultuava o conceito de que o bom desenho resulta em uma peça bonita, prática e funcional, além de ter preço acessível", diz Kimi Nii. "Os objetos japoneses já tinham essa resolução há 700 anos, assim como a adequação à matéria -no bambu, são aproveitados os nós, na cerâmica, é respeitada sua textura natural."

Quando começou a se interessar por cerâmica, no final da década de 1970, Kimi Nii se encantou com o estilo e a técnica de queima de alta temperatura, praticamente desconhecida no Brasil. "Como os ceramistas brasileiros tinham influência americana e inglesa, criavam peças mais rebuscadas. Hoje, o estilo japonês é o mais difundido." Kimi Nii identifica a influência da dupla nacionalidade em seu trabalho: a chaleira, o porta-lápis (que chama de bambu-escritório) e a cesta são tipicamente japoneses; já as esculturas bromélias são inspiradas na exuberante flora brasileira.

O arquiteto Lucas Isawa trouxe um cardume flutuante e luminoso para a programação oficial das comemorações do centenário da imigração, que está nas exposições "Um Novo Cardume" (Museu da Casa Brasileira) e "Outro Cardume" (Pavilhão Japonês do Parque Ibira-puera), ambas até 6 de julho. "Quis usar o mesmo material com o qual fazia pipas na infância: bambu, papel de seda e cola. Gosto de materiais simples, acessíveis a qualquer pessoa", conta Isawa, que, até os 14 anos, quando começou a trabalhar, fazia pipas para vender por causa das dificuldades financeiras da família. Sua coleção de delicadíssimos peixes luminosos foi produzida em um ano e é inspirada em uma tradição japonesa, o Koinobori, a carpa colorida de papel ou de tecido com estrutura de bambu (como as pipas), erguida em hastes para celebrar, no Japão, o Dia dos Meninos (5 de maio).

Os espaços da casa são organizados com variações de pisos de pedra, de composição de arbustos, de coloração das folhas. Pode haver um pequeno lago com carpas, transposto por uma ponte, até chegar à entrada da casa, onde haverá um cômodo voltado para o jardim. "Canteiros de pedrinhas com areia, na qual são feitos sulcos com rastelo que imitam desenho das ondas do mar, têm a função de relaxar", diz.

Rogério observa que hoje há, no paisagismo brasileiro, uma influência do tradicional jardim japonês com o uso de espécies nativas. Os arranjos de flores se renovaram com a divulgação dos princípios do ikebana: saem os buquês exagerados, sempre arredondados, e entram as composições minimalistas, que buscam o equilíbrio na aparente assimetria.

À espera de restauração

Um grupo liderado por um casal de arquitetos paulistas tem um projeto voltado à preservação da imigração japonesa na história da arquitetura brasileira. A intenção é restaurar casas construídas no Vale do Ribeira, a partir de 1913, por imigrantes que ali se instalaram para trabalhar no cultivo do chá (os "chazais"). Newton Massafumi e Tânia Parma batizaram a empreitada de "Rota do Chá", porque pretendem criar um roteiro turístico e cultural na região de Registro, onde encontraram habitações rurais em estilo japonês. "São construções tipicamente japonesas tanto na concepção do espaço como nas técnicas construtivas, que utilizam a madeira como estrutura e o pau-a-pique como fechamento", afirma Massafumi. "Outra característica são as aberturas para ventilação junto às cumeeiras do telhado. A trama do pau-a-pique foi executada em palmeira jussara (farta na região) ou em bambu, e os telhados, adaptados aos materiais disponíveis no Brasil na década de 1910, como as telhas de cerâmica".

O projeto "Rota do Chá", iniciado em 2003, está à espera de patrocínio, mas já recebeu o selo de apoio institucional da Bunkyo (Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa e de Assistência Social). Tânia Parma está preocupada com a deterioração das construções, caso a restauração não se inicie em breve. "Os moradores da região contam que todos os anos vêm arquitetos japoneses para avaliar as casas", diz. "A Rota do Chá é um projeto de turismo sustentável pelas fazendas da região e seria uma alternativa de desenvolvimento econômico local e preservação ambiental, já que a região detém uma das maiores porções de Mata Atlântica".

Texto Anterior: Jeito de morar: Mistura fina
Próximo Texto: Habitat: Réquiem para um sonho
Índice


Clique aqui para deixar comentá;rios e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta pá;gina em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.