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Análise

Integração da Europa não deve sucumbir à crise do euro

Ambicioso, projeto surgiu do trauma provocado por duas grandes guerras

JOÃO BATISTA NATALI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

A CRISE FISCAL É UM EPISÓDIO MINÚSCULO ANTE A NECESSIDADE DE EVITAR QUE A FRONTEIRA DO RENO SEJA ATRAVESSADA

É possível que historiadores, dentro de um século, deem boas gargalhadas ao lembrarem que em 2011 alguns acreditavam que a crise da dívida na zona do euro faria a União Europeia abandonar seu projeto ambicioso de integração regional.

Em situações parecidas, Charles De Gaulle (1890-1970), ex-presidente da França, disse que basta a expressão de forte e legítima vontade política para que "a intendência venha atrás". Os intendentes seriam economistas, banqueiros e eurocratas.

A crise fiscal na Grécia ou na Itália é episódio minúsculo diante da necessidade de evitar que a fronteira do Reno seja novamente atravessada. Ela o foi em 1870, com a Guerra Franco-Prussiana, e, no século 20, com a carnificina de duas guerras mundiais.

A lógica que levou à formação do bloco já estava desenhada em 1951, quando o alemão Konrad Adenauer, o italiano Alcide de Gasperi e o francês Robert Schuman criaram a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço. As duas commodities viraram, para seis países, propriedade conjunta. Ninguém precisaria, para se abastecer, invadir o vizinho com blindados.

Seis anos depois, com o Tratado de Roma, surgia o Mercado Comum Europeu. Era o fim das alfândegas. Atritos comerciais da "Europa dos Seis" continuavam intensos. Discussões sobre produtos agrícolas levavam à quase ruptura. Mas aquela geração de negociadores se lembrava da fronteira do Reno.

As tentativas anteriores de unificação europeia se perdem no tempo e não deram certo porque eram articuladas em torno de um polo central de poder. Foi o exemplo medieval de Carlos Magno (742?-814), efêmero imperador franco-germânico que se abrigou detrás do projeto da Igreja Católica de evitar o contágio territorial com cristãos coptas e ortodoxos.

Napoleão Bonaparte (1769-1821) foi outro europeu. As guerras que comandou não tinham um projeto predatório ou colonialista. Ele era visto como agente institucional de modernização -tanto que foi bajulado por intelectuais "inimigos", como Beethoven, Goethe ou Lord Byron. Desconhecia-se na época o nacionalismo, diz o historiador Eric Hobsbawm. Com a derrota francesa em Waterloo, a velha ordem se rearticulou no Congresso de Viena (1815).

Ditatorial e genocida foi o projeto de Adolf Hitler (1889-1945). Ao invadir a Polônia, em 1939, ele queria uma Europa escravizada, fornecedora de mão de obra e matérias-primas. Deu no que deu.

No pós-guerra, o salto do MCE na direção da UE, com radicalização de políticas integrativas, aconteceu em 1992, com o Tratado de Maastricht. O documento já previa o euro, implantado em 1999 e que circula em 17 países.

Quanto mais a Europa se aprofunda -espaço comum para o mercado de trabalho e para a formação acadêmica, por exemplo-, menores são as atribuições exclusivas dos Estados nacionais. Os chamados "eurocéticos" não gostam. Criticam também o peso excessivo da Alemanha e os fundos compensatórios para os países menos ricos.

Resta a curiosa "teoria da bicicleta". Se parar de pedalar ela cai. A Europa está condenada a andar para frente. A razão é simples: ninguém aceitaria, nem metaforicamente, reproblematizar a fronteira do Reno.

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