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Análise / Crise mundial

Europa vive 'parada súbita' de fluxo de capitais

Fenômeno é conhecido pelos países emergentes, mas raro no mundo desenvolvido durante as últimas décadas

PAULO PEREIRA MIGUEL
ESPECIAL PARA A FOLHA

A IDEIA DE QUE NÃO HAVIA RISCO FACILITOU AINDA MAIS O CRESCIMENTO DA MONTANHA DE DÍVIDAS

Nas últimas semanas a crise europeia ganhou velocidade. Os custos de financiamento cresceram para quase todos os países, a liquidez bancária secou e mesmo a rolagem de dívidas de curtíssimo prazo passou a ser uma aventura: há poucos dias, a Itália pagou cerca de 6,5% ao ano por dinheiro de seis meses.

A rapidez da deterioração mostra um fenômeno conhecido pelos países emergentes, mas raro no mundo desenvolvido nas últimas décadas -a "parada súbita" do fluxo de capitais.

O roteiro se repete: o acúmulo de deficit nas contas externas, em geral associado a bolhas de preços de ativos (como imóveis) e à perda de competitividade da economia, resulta em dívidas altas, que precisam ser refinanciadas com capitais vindos de fora. Em um dado momento, um choque qualquer expõe a inconsistência. A entrada de capitais sofre uma parada súbita e uma crise se instaura.

A partir daí, até a mente mais criativa tem dificuldade em conceber plenamente as consequências: desvalorização cambial, falências bancárias, queda abrupta do PIB e alta do desemprego subvertem os padrões estabelecidos.

A situação atual da Europa é semelhante. Nos anos seguintes ao advento da união monetária, surgiram grandes desequilíbrios de pagamentos entre os membros da zona do euro.

Deficit externos de até 10% do PIB em Espanha, Portugal, Grécia e Irlanda tinham como espelho saldos positivos nos países centrais, especialmente na Alemanha.

Em essência, foram os bancos do centro os grandes financiadores da bolha financeira nos outros, evidência de que a responsabilidade é partilhada por todos.

A ideia de que não havia risco -os devedores estavam na zona do euro- facilitou ainda mais o crescimento da montanha de dívidas.

A crise de 2008 interrompeu o processo, e o único financiador da periferia passou a ser -a contragosto- o BCE (Banco Central Europeu). Somando as compras diretas de papéis e a assistência aos bancos, a intervenção do BCE já chega a quase € 1 trilhão nos últimos três anos, dinâmica insustentável em prazo mais longo.

Mas a Europa parece se aproximar de um certo consenso político entre credores e devedores. Os primeiros querem definir regras de monitoramento e aprofundar a austeridade -a "união fiscal" na visão alemã, de fato um elemento necessário para recuperar credibilidade.

Em troca, haveria um reforço dos mecanismos de proteção da periferia, em moldes ainda a definir, para assegurar financiamento durante o longo período de ajuste, que passa também por medidas para recuperar o crescimento e a competitividade.

O presidente do BCE, Mario Draghi, parece ter aberto na semana passada uma brecha para ações mais contundentes de sua parte, ao mencionar que o mais importante é o controle fiscal, mas que outros elementos talvez venham em seguida.

O encontro dos líderes da zona do euro, no dia 9 de dezembro, assume importância crucial -é a oportunidade para mostrar um acordo político que traga alguma chance controlar a crise.

Do contrário, a realidade da "parada súbita" continuará a se impor, com riscos cada vez maiores para a economia mundial.

PAULO PEREIRA MIGUEL é economista e diretor de pesquisa econômica da Quest Investimentos

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