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Crise mexicana chega às grandes cidades

Crimes ligados ao narcotráfico ocorriam mais no interior do país; desde 2006, morreram mais de 40 mil pessoas

Cartéis mandam suas mensagens por meio de crimes bárbaros, incluindo decapitações como maneira de aviso

Alejandro Acosta - 24.nov.2011/Reuters
Investigadores forenses diante de veículo com corpos, em Guadalajara; autoridades encontraram 26 mortos seminus
Investigadores forenses diante de veículo com corpos, em Guadalajara; autoridades encontraram 26 mortos seminus

SYLVIA COLOMBO
ENVIADA ESPECIAL A GUADALAJARA

O vendedor de jornais Miguel Guareño, 23, chega ao cruzamento das avenidas Lázaro Cárdenas e Mariano Otero, em Guadalajara, todos os dias às 6h.

Em 24 de novembro, atrasou-se 20 minutos, porque um dos diários que distribui demorou a ser entregue.

Quando chegou a seu "ponto", num dos faróis, a confusão já estava armada. Às 6h11 haviam sido abandonados três veículos em diferentes pontos do cruzamento. Foram encontrados por um guarda de trânsito, que chamou a polícia.

"Ninguém precisava dizer nada, todos sabíamos o que havia dentro dos carros. No México, estamos nos acostumando com isso", contou à Folha. Miguel referia-se aos 26 corpos seminus achados dentro dos veículos.

Desde o começo do governo de Felipe Calderón (PAN), em 2006, o Estado começou uma guerra contra os cartéis.

Estes, divididos em bandos e sub-bandos, respondem cometendo crimes bárbaros, que vão de decapitações a assassinatos coletivos. Funcionam, em geral, como aviso sobre quem está "no controle" de cada área.

Já foram vítimas do conflito mais de 40 mil pessoas.

A diferença é que, até bem pouco tempo atrás, os crimes ocorriam mais no interior, preservando as grandes cidades.

"O quadro já é outro. Há uma disputa por praças como Monterrey, Veracruz e Guadalajara, centros urbanos que possuem consumidores", diz o jornalista Rubén Martín, da rádio Metrópole.

Guadalajara é a segunda cidade mais importante do México, com 4,5 milhões de habitantes. Conhecida como "Pérola do Ocidente", foi sede recentemente dos Jogos Panamericanos e de mais uma edição da maior feira literária do mundo hispânico.

Apesar da segurança reforçada por conta dos eventos, o crime do dia 24 a coloca na lista das cidades que vivem pesadelo digno de guerra civil.

Em agosto, Monterrey viu um atentado a um cassino que deixou 52 mortos, incluindo pessoas idosas. Em setembro, 35 corpos foram jogados nas ruas de Veracruz.

"A violência atingiu nível tão grande que para impressionar não basta um assassinato, tem de mostrar uma cabeça decepada ou um homem com o pênis arrancado e enfiado na boca", diz o cientista social Jorge Gómez Naredo.

O crime de Guadalajara é atribuído ao cartel Zetas, que assina a "narcomensagem".

Esse tem sido o meio de comunicação mais comum entre cartéis e governo. Junto aos mortos, deixa-se um pedaço de plástico ou de cartolina que "explica" as razões do ataque. Às vezes, os assassinos escrevem direto na pele dos cadáveres.

Neste caso, a "narcomensagem" era um alerta ao governo de Jalisco (cuja capital é Guadalajara) de que os Zetas estariam dominando a região. Acusava, ainda, o governador Emilio González Márquez (PAN) de proteger o cartel rival, o de Sinaloa.

"Há rumores de que os de Sinaloa têm apoio do Estado e da polícia. Essa guerra é mais do que um embate entre bons e maus, trata-se de um problema mais complexo", diz o jornalista Raúl Fuentes, do "La Jornada".

Diz o texto da mensagem: "Vejam que aqui lhes deixamos esses mortinhos, os sequestramos nós mesmos para que vejam que sem a ajuda de ninguém estamos metidos até a cozinha".

Até o fechamento desta edição, 20 mortos haviam sido identificados. Eram trabalhadores comuns, a maioria sem passagem pela polícia.

Padeiro, entregador, vendedor de carro usado, pintor de casas e chofer eram algumas das profissões. As mortes foram causadas por asfixia ou por lesões no crâneo.

Todos foram sequestrados entre um e dois dias antes do crime, segundo os familiares.

No cruzamento das duas avenidas, onde está o monumento Arcos do Milênio, a vida já voltou ao normal.

Guadalupe (não quis dizer o sobrenome), 68, que vende doces na rua, disse que, naquela manhã, só quis que a polícia retirasse os carros.

"Eu sabia do que se tratava, mas não quero nem falar do assunto, só levar a vida adiante. Acho que é o que todo mundo nesse país deseja."

A jornalista SYLVIA COLOMBO viajou a convite da organização da Feira Internacional do Livro de Guadalajara

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