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Análise

China busca ideologia para ampliar poder e unidade interna

'SOCIALISMO' NUNCA SUMIU DA RETÓRICA OFICIAL, MAS O SLOGAN DA "SOCIEDADE HARMONIOSA" ERA O PREFERIDO

CLAUDIA ANTUNES
DO RIO

As túnicas cinza-azuladas, símbolo do igualitarismo pregado pelo maoísmo, faziam sucesso entre os mais radicais dos revoltosos de Maio de 1968 no Ocidente.

Em seguida veio a denúncia dos desmandos da Revolução Cultural, e o dirigente então reabilitado Deng Xiaoping, mentor das reformas econômicas iniciadas no fim dos anos 1970, afirmou: "Enriquecer é glorioso".

Agora, ante "complôs de potências inimigas para ocidentalizar e dividir" a China, o presidente Hu Jintao convocou o Partido Comunista a reforçar a batalha de ideias em defesa do "socialismo com características chinesas".

"A esfera cultural e ideológica é aquela em que eles [os inimigos] conduzem sua infiltração de longo prazo", disse ele em discurso em outubro, recém-publicado como ensaio numa revista oficial.

O texto precedeu a ordem do governo para a redução dos programas de entretenimento na TV baseados em modelos ocidentais. Menciona 66 vezes as palavras "socialista" ou "socialismo".

Os termos nunca sumiram da retórica oficial, mas o slogan confucionista e mais brando da "sociedade harmoniosa" era o preferido contra tendências vistas como ameaçadoras à legitimidade do PC, entre elas o consumismo e a alta da desigualdade.

Já eram frequentes as advertências contra o exibicionismo dos "novos ricos", ameaças à "harmonia" num país que ainda tem renda per capita anual de US$ 5.000, pouco mais de um décimo da americana (US$ 48 mil).

Agora, dois episódios pontuais e duas tendências mais gerais estão sendo ligados à convocação feita por Hu.

Primeiro, houve o acidente em que uma menina de dois anos, Wang Yue, foi atropelada duas vezes por uma camionete num mercado de rua e, sangrando no chão, foi ignorada pelos passantes.

Depois, veio a cena de um programa tipo namoro na TV em que uma aspirante a modelo, convidada pelo candidato a namorado a um passeio de bicicleta, retrucou: "Prefiro chorar numa BMW".

Os casos causaram barulhento debate sobre a falta de moral e ética social, no momento em que a economia chinesa ameaça desacelerar e os EUA põem a contenção da China como meta central de sua estratégia de defesa.

No ensaio, Hu afirma buscar um sistema de ideias que, além de reforçar a unidade interna, amplie o "soft power" chinês. "A força cultural e a influência de nosso país não correspondem à sua posição internacional, e a percepção da opinião pública de que o Ocidente é forte e nós somos fracos não foi completamente superada", diz.

O interessante, por outro lado, é que ele não vira as costas à "diversidade" (propõe encorajá-la) nem a influências externas -afinal, o próprio marxismo foi importado pelos intelectuais chineses no Movimento 4 de Maio, que em 1919 deu origem ao PC.

Entre os ingredientes necessários ao "grande florescimento da cultura socialista", Hu cita o intercâmbio cultural internacional e o estudo de "todas as experiências e conquistas úteis".

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