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Ciberativista diz ter sido torturado na Síria

Abdul Hakim, que filmou repressão para divulgar na internet, conta como passou 21 dias preso pelo regime de Assad

Refugiado no Líbano, dissidente afirma que agentes da ditadura têm licença para 'torturar até a morte' em Homs

KAREN MARÓN
EM TRÍPOLI, LÍBANO

"Eu era um simples comerciante de cortinas em minha cidade, Tall Khalil", diz à Folha Abdul Hakim, 30, com uma serenidade assombrosa. "Mas comecei a filmar as manifestações e divulgá-las através de órgãos de mídia estrangeiros e da internet."

Abdul afirma saber como trabalham os "mukhabarat" sírios -os agentes da inteligência-, que, segundo ele, o prenderam, torturaram e libertaram após 21 dias de agonia em prisões do país.

Há alguns meses ele está refugiado em Trípoli, a segunda maior metrópole do Líbano, 85 km ao norte de Beirute. O encontro aconteceu em uma das confeitarias pelas quais a cidade é célebre.

A indignação de Hakim contra Bashar Assad cresceu proporcionalmente à repressão das revoltas. Ele decidiu filmar tudo e atravessar a fronteira do Líbano para enviar imagens dos franco-atiradores e da morte de civis.

"Até que me capturaram, em 14 de maio de 2011. Cinco agentes vieram até minha casa, ameaçaram minha família, me bateram na cabeça com uma barra de ferro. Sofri descargas elétricas no pescoço e nos genitais. Me colocaram em um caminhão com outros 53 prisioneiros", explica em árabe, enquanto seu contato traduz para o inglês.

Antes de subir no caminhão, Hakim testemunhou a morte do amigo Magid Akkare. "Deram-lhe um tiro no estômago, ali mesmo." Foi o início de uma via-crúcis que teve início na prisão de Homs, sob os agentes mais temidos. "São os piores. Têm licença para torturar até a morte."

Ele passou sete dias nu e algemado em uma cela de 70 m² onde se amontoavam 26 pessoas. "Os presos eram interrogados um a um; sempre voltavam desmaiados."

Mais tarde, diz Hakim, levaram-no a uma sala onde o penduraram pelos braços, nu, molharam suas costas com água e lhe deram choques elétricos por várias horas. "Depois de três dias me deram algo para comer que tinha cheiro muito ruim, mas eu estava com fome. Eles nos trataram como animais."

Durante sete dias, Hakim dividiu a cela com outros comerciantes, médicos e engenheiros. No oitavo dia de detenção, foi transferido para Damasco. "O interrogador me disse que seria melhor destruir a Síria que entregá-la a nós e começou a me bater."

No 21º dia, vendado, teve de deixar sua impressão digital em papéis que não pôde ler. Depois o soltaram, com a ameaça de nova prisão.

A última vez em que ele falou com sua mãe foi há cinco meses, em código, para o caso de os telefones estarem grampeados. "Ela disse: 'Filho, tempo muito feio por aqui: grandes chuvas e fortes tempestades. Não volte'."

Tradução de CLARA ALLAIN

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