Índice geral Mundo
Mundo
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

Clóvis Rossi

Síria, a morte e a filosofia

Discute-se muito menos a paz e muito mais qual o caminho para que haja menos mortes no país

Steven Cook, pesquisador de Oriente Médio do Council on Foreign Relations, faz, em seu blog, a pergunta que escancara a tremenda dificuldade que a comunidade internacional tem em relação à crise na Síria. Ao discutir prós e contras de uma intervenção militar, Cook pergunta:

"É uma posição moralmente superior ficar sentado esperando enquanto pessoas estão sendo mortas em vez de adotar ações que matarão pessoas, mas que, de todo modo, podem no fim acabar salvando vidas?".

A resposta, para Cook, é uma questão menos de campo de batalha e mais de filosofia. Pois é: o que se discute na Síria, no momento, não é como chegar à paz, mas como matar menos pessoas.

Cook, com mil ressalvas, acaba endossando a hipótese de algum tipo de intervenção, com um argumento lógico: "Concordo que armar os rebeldes [uma das maneiras de intervenção] é um negócio arriscado e pode muito bem levar a uma escalada, mas armas encontrarão de todo modo seu caminho para a Síria, de forma que a escalada é um desenlace que ficar parado não evitará".

A hipótese de escalada está presente também em texto de Michael Weiss (da Henry Jackson Society, centro de estudos de Londres) para a revista "Foreign Policy":

"O grosso da oposição agora reconhece que a revolução tem que ser obtida pelas armas e que retornar à resistência passiva de oito meses atrás equivaleria a um pacto suicida".

Weiss lembra, com razão, que foi o ditador Bashar Assad o primeiro a "transformar a situação em um conflito armado". Cita o fato de que o catalisador inicial da revolta -a tortura e morte de Hamza al Khatib, de 13 anos- "não levava um [fuzil] Kalashinikov quando as forças de segurança de Assad o sequestraram e depois entregaram o cadáver mutilado a seus pais".

Argumento parecido é usado, em artigo para "El País", pelo escritor Emir Suljagic, sobrevivente de Srebrenica, e por outro bósnio, Reuf Bajrovic, hoje consultor político e estratégico em Washington.

A memória de Srebrenica, cidade massacrada pelas forças da então Iugoslávia, ante a impotência da ONU, leva-os a citar o então ministro britânico do Exterior, Douglas Hurd, que lamentou o embargo de armas decretado pela União Europeia à época, porque impediu "a igualdade de condições nas matanças". Agora, escrevem os dois bósnios, "mesmo que não contasse com a ajuda russa e iraniana que está recebendo, Assad teria o monopólio real da força letal na Síria".

Em meio a tantos cânticos de guerra e morte, a diplomacia brasileira continua apostando no diálogo. "Estamos muito confiantes na missão de Kofi Annan", diz o embaixador Cesário Melantonio, enviado especial para o Oriente Médio e reconhecido especialista na região.

Refere-se ao ex-secretário-geral da ONU, designado há pouco enviado especial das Nações Unidas e da Liga Árabe para a Síria.

A razão para a confiança, no entanto, parece apoiar-se mais em um desejo do que em fatos concretos: "Se não houvesse esperança, Ban Ki-moon [o atual secretário-geral] não teria designado um enviado especial", completa Melantônio.

O problema é que na Síria de hoje fala-se muito mais em morte que em esperança.

crossi@uol.com.br

AMANHÃ EM MUNDO
Rubens Ricupero

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.