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Malvinas/Falklands - 30 anos depois

No dia em que a guerra completa três décadas, argentino e britânica lembram como conflito os marcou

'Fizemos estrago neles', lembra capitão argentino

Ex-combatente diz que seu país foi valente, mesmo com superioridade dos britânicos

SYLVIA COLOMBO
DE BUENOS AIRES

O ex-capitão de navio argentino Juan Carlos Ianuzzo, 62, estava de férias, com sua mulher, fazendo um cruzeiro, há alguns anos, quando a embarcação aportou em Stanley (Puerto Argentino), a capital das ilhas Malvinas (Falklands, para os ingleses).

Ianuzzo viu, então, mais uma vez o cenário que conhecera em 1982. Um vilarejo típico britânico, a paisagem sem muito verde, as montanhas cheias de pedras. E sentiu o mesmo vento cortante, a marca do arquipélago.

Os turistas começaram a descer para conhecer o local. Mas Ianuzzo não se mexeu. Tinha curiosidade para saber como a cidade tinha se transformado. Mas um impedimento falava mais alto.

"Se eu descesse do barco, iam carimbar meu passaporte. Não admito ter que mostrar um passaporte se estou no meu país. Enquanto as Malvinas não voltarem a ser argentinas, não piso lá", conta à Folha, em entrevista na sede da Associação Veteranos de Guerra das Malvinas, no centro de Buenos Aires.

Ianuzzo participou de dois momentos-chave do conflito, que completa 30 anos hoje e reacende farpas entre Argentina e Reino Unido.

Esteve no desembarque, na madrugada daquele dia, voltou ao continente, e retornou para as ilhas pouco antes do primeiro bombardeio britânico, no 1º de maio.

"O desembarque era para ser tudo. Íamos tomar pacificamente a casa de governo e o aeroporto. E sentar para negociar com os britânicos. Não esperávamos que viessem nos combater", conta.

O capitão diz que a guerra foi perdida, mas que a vitória não saiu barato aos britânicos. "Eles vieram com mais tecnologia, mais homens (...), depois somou-se o apoio dos EUA e da Otan. Não tinha como. Mas nós fizemos estrago", orgulha-se.

Ianuzzo diz que não gosta do lugar-comum que surgiu depois, a imagem do soldado inocente que foi mandado para a morte por oficiais truculentos.

"É mentira, foram muito valentes. Hoje vejo os que sobreviveram, e que ainda têm problemas, depressão, alguns amputaram os pés por conta de doenças decorrentes da exposição ao frio, não foi fácil, mas todos voltariam a começar do zero se fossem chamados", diz.

Ianuzzo conta que seu barco quase foi atingido durante um ataque aéreo, e que a lembrança do afundamento do navio Belgrano, em 2 de maio, que deixou mais de 200 mortos, é uma das lembranças mais doloridas. Para ele, a frustração pela derrota é algo difícil de ser superado. "Muitos, e me incluo nisso, ainda sentimos a mesma tristeza." A desilusão foi acompanhada pelo que enfrentariam daí por diante, a reação negativa da sociedade.

"Nos devolveram no meio da noite. Chegamos a Buenos Aires às escuras. Não queriam que fôssemos vistos. Começamos a ouvir falar de nós, que não tínhamos sido valentes, que fracassamos." Ianuzzo vê aí a explicação para os mais de 400 suicídios de ex-soldados.

O ex-capitão não acredita numa nova guerra, mas acha que as ilhas vão voltar a ser argentinas um dia. "O único argumento que têm é o da autodeterminação. Mas a Inglaterra não vai querer aquelas ilhas para sempre, e eles vão precisar de nós, de nossos hospitais, de nossas escolas. É um desenlace inevitável."

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