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'Invasores eram simples e educados', diz moradora

Editora do único jornal das Malvinas, Lisa Watson era adolescente durante a guerra

DA ENVIADA ÀS ILHAS MALVINAS

Lisa Watson, 43, era uma adolescente quando os argentinos invadiram as ilhas Malvinas, em 2 de abril de 1982. Nascida no arquipélago, Lisa conta à Folha que, durante os dois meses da guerra, as tardes eram de expectativa e... brincadeiras.

"Os adultos faziam de tudo para nos entreter. Não tínhamos aula e nos reuníamos nas casas uns dos outros. As pessoas queriam estar juntas. E para as crianças inventavam jogos, brincadeiras", diz.

Mas acrescenta que, a partir das 18h, começava a tensão dos bombardeios, que duravam toda a noite. Era difícil dormir e, no dia seguinte, conheciam-se os estragos. Para Lisa, o mais triste deles foi a morte de sua professora, vítima de um "fogo amigo" britânico, enquanto se refugiava na casa de conhecidos.

A lembrança que tem dos soldados argentinos é de meninos educados, simples, que não pareciam entender o que estavam fazendo ali. Iam à casa de sua família, pediam para usar o banheiro. "Teve um dia em que estavam com fome e queriam matar um pato, mas não conseguiam lidar com a arma. Meu pai teve de ajudá-los", conta.

Hoje, Lisa é editora do "Penguin News", o único jornal das Malvinas, que sai todas as sextas-feiras. Tem uma circulação de 1.750 exemplares -a população do arquipélago é de 3.200 pessoas- e uma postura editorial de defesa do atual status das ilhas, sob domínio britânico. Lisa também dirige uma rádio local e tem uma conta no Twitter, através da qual participa de discussões com argentinos, ilhéus e britânicos sobre o futuro do arquipélago.

"Sempre que acontece algo relacionado à disputa, as pessoas me procuram. Eu não tenho problemas de dialogar com os argentinos, mas minha posição é muito firme."

Lisa acha que o local deve continuar sendo britânico, que não é possível dialogar com os argentinos ("perdemos completamente a confiança neles"), mas que os "kelpers" (habitantes das ilhas) precisam defender sua identidade cultural.

"Precisamos nos expressar mais a partir da música, do cinema, há muitos aspectos da nossa cultura que são latino-americanos, e os países do continente deveriam nos conhecer melhor para poderem nos aceitar."

Entre as influências regionais na cultura local, Lisa destaca o uso do espanhol para designar coisas relacionadas à vida no campo e à criação de cavalos. São traços do antigo intercâmbio que havia entre as Malvinas e a região argentina da Patagônia.

Lisa faz parte da sexta geração de nascidos nas ilhas e tem um filho de 18 anos. "Já existe inclusive uma nona geração. Há quanto tempo os Kirchner estão na Argentina? Imagino que muito menos do que isso", desafia.

A jornalista acha que falta informação nos dois lados. Os "kelpers" teriam criado uma resistência muito grande para tentar entender a Argentina, por conta da guerra e da pressão recente, "e os argentinos não têm ideia de como é nossa vida aqui".

Para transmitir a experiência da guerra às novas gerações, Lisa lançou um livro relatando como os habitantes viveram o conflito.

"Trinta anos é muito pouco. Só daqui a algumas gerações vamos superar o trauma. Como esquecer a guerra se tudo em Stanley faz lembrar aquele período?", pergunta.

(SYLVIA COLOMBO)

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