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'Cidade da YPF' comemora expropriação

Na Patagônia argentina, Comodoro Rivadavia deve sua existência à petroleira reestatizada por Cristina Kirchner

Moradores lembram com nostalgia da época anterior à venda da empresa; região tem 30% da produção do país

SYLVIA COLOMBO
ENVIADA ESPECIAL A CHUBUT

No bairro de General Mosconi, em Comodoro Rivadavia (sul da Argentina), as casas são de metal, baixas, pintadas em tons claros.

Há um cinema, um clube, uma escola e um hospital. Numa praça, está o segundo poço de petróleo aberto na Argentina, em 1907.

Em General Mosconi, tudo foi levantado pela petroleira YPF dos anos 50 em diante, enquanto ainda era uma empresa estatal. Hoje, as construções estão desgastadas, algumas abandonadas.

Os locais o chamam de bairro "ypeefeano". O adjetivo é comum e define tanto as coisas que a empresa construiu como as pessoas que passaram por ela. Também resume o sentimento de orgulho dos que têm relação com a petroleira.

"Sou 'ypeefeano' até a morte. Quando entrei na empresa, me sentia como quem estava defendendo a camiseta da seleção argentina. Como não me deixaram ir às Malvinas, trabalhar na YPF era realizar o sonho de servir à pátria", conta o técnico em petróleo Fabian Pereyra, 49.

Demitido da empresa em 1994, após a privatização dos anos do governo Carlos Menem, Pereyra virou sindicalista e passou a organizar cortes de estradas e protestos.

As revoltas dos petroleiros patagônicos foram os primeiros "piquetes" argentinos, prática que se difundiria no país após a crise de 2001.

"A tristeza foi grande, houve os que reagiram de forma violenta, mas também companheiros que caíram em depressão ou que se suicidaram, principalmente os mais velhos", relata.

Pereyra fez também uma greve de fome por alguns dias, mas acabou aceitando a nova situação e arranjou outro emprego.

Já o engenheiro mecânico Rodolfo "Chiru" Lopez, 60, anda ocupado. Nos últimos dias, depois que soube da decisão do governo argentino de expropriar a companhia, começou a fabricar bonés com o logo antigo da YPF, um círculo com as cores da bandeira argentina, com a iniciais da empresa dentro.

Chiru trabalhou na YPF de 1976 a 1991, e diz que a empresa agora precisa "recuperar sua mística". "Eu estudei com uma bolsa da YPF, saímos de lá doutrinados, mas no bom sentido, com a ideia de que por meio da empresa faríamos algo pela pátria, povoaríamos uma região, trazendo progresso à Patagônia. Essa ideia tem de voltar."

CAPITAL DO PETRÓLEO

A província de Chubut é hoje a principal produtora de petróleo da Argentina, responsável por mais de 30% da produção nacional. A cidade de Comodoro Rivadavia é conhecida como a "capital do petróleo" e tem uma configuração muito estranha.

É formada por diversas povoações, distantes alguns quilômetros entre si. Esses conglomerados se formaram a partir de acampamentos petrolíferos do começo do século 20 e assim se mantêm.

Em seu tempo como estatal, a empresa chegou a ter 50 mil funcionários na Patagônia. A privatização trouxe uma demissão maciça e mais de 30 mil ficaram sem emprego. Muitos dos que eram do norte do país voltaram para casa. Comodoro ficou anos com instalações fantasmas.

A reportagem da Folha acompanhou um ato pelo 1º de maio num desses bairros. No galpão enfeitado por bandeiras da YPF e do PSTU, oradores se revezavam fazendo elogios à expropriação.

"Sinto uma alegria imensa nesse momento, mas não é o suficiente, agora é preciso estatizar todos os recursos naturais do país e promover a união de todas as estatais latino-americanas", diz Jorge Garcia, 55, também ex-"ypeefeano".

Governador da província de Chubut entre 2003 e 2011, o peronista Mario das Neves considera que o Estado tem uma dívida com os velhos trabalhadores da empresa.

"As demissões dos anos 90 foram um corte muito duro. É uma sociedade que ainda convive com um trauma histórico. O governo nacional ainda não explicou o que fará pelas comunidades do petróleo, por enquanto discute apenas a questão política e os números dos investimentos", disse à Folha.

Das Neves, ex-candidato a vice-presidente, é crítico do governo. Com relação à lei de nacionalização da empresa, porém, fecha com a presidente Cristina Kirchner governo. "A lei é correta, apesar de a metodologia aplicada não ser a melhor."

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