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Minha História - Moritz Pfeiffer, 29

Álbum de família

Historiador alemão que publicou um livro questionando os seus avós pelo envolvimento com nazistas defende que jovens façam o mesmo

Annika Falk/Folhapress
O historiador alemão Moritz Pfeiffer, com seu livro
O historiador alemão Moritz Pfeiffer, com seu livro

CAROLINA VILA-NOVA
DE SÃO PAULO

No começo, foi apenas um interesse pessoal. Eu estudava história e sempre conversava com meus avós, então pensei em fazer umas entrevistas sobre como foi a experiência de vida deles entre 1933 e 1945. Nisso, notei algumas contradições e que havia relutância em falar em detalhes sobre alguns assuntos. Então comecei a buscar a maior quantidade possível de fontes, como cartas, fotos, arquivos militares.

A reação dos familiares foi positiva. Nós sabíamos que nossos avós [ambos já mortos] não tinham sido contrários ao nacional-socialismo. Não tínhamos ilusões. [O avô Hans Hermann foi tenente do Wehrmacht, as Forças Armadas alemãs, no famoso 6º Exército -apontado por historiadores como autor de uma série de massacres contra judeus. Entre os 18 e 21 anos, participou das invasões da Polônia, da França e da União Soviética. A avó Edith é descrita como uma "nazista quase fanática", filiando-se ao partido por iniciativa própria aos 19 anos.]

RELATOS

Meus avós tentaram diminuir sua responsabilidade. Diziam: "não sabíamos sobre os crimes" e "não podíamos fazer nada contra isso".

Primeira contradição: como alguém pode fazer alguma coisa contra algo que desconhece?

Descobri que o entusiasmo dos meus avós por Adolf Hitler era muito maior do que eles haviam admitido por décadas. Quando conversamos sobre o discurso do [ministro da Propaganda nazista Joseph] Goebbels de 1943 ["Vocês querem a guerra total?"], meu avô o chamou de mentiroso. Mas numa carta escrita dias após o discurso, deparei com uma reação positiva.

MOMENTO DIFÍCIL

Ao me perguntar sobre os crimes de guerra cometidos pelo meu avô, atingi minha barreira emocional. Na guerra contra os soviéticos [Operação Barbarossa], havia a chamada "Ordem dos Comissários", que previa que todos os comissários políticos do Exército Vermelho deviam ser executados imediatamente após a captura. Meu avô era então um comandante de companhia, e era seu dever fazer a ordem ser cumprida por seus homens. Isso não significa necessariamente que ele pessoalmente a tenha cumprido, mas sua unidade certamente o fez. Foi uma das partes mais difíceis emocionalmente. Até agora, não consegui lidar com isso.

A Alemanha fez um trabalho razoavelmente bom em lidar com sua responsabilidade pela guerra. Mas, dentro das famílias, isso ainda é um grande tabu. Metade dos alemães acredita que, em suas famílias, todo mundo era contra o nazismo. Apenas 6% creem ou admitem que talvez houvesse nazistas em suas famílias. O que é uma bobagem. É claro que havia muito mais.

Você pode se informar sobre todos os crimes nazistas sem saber exatamente o que seus avós fizeram. Mas é uma grande oportunidade para entender como algo assim pode ter acontecido e talvez ser mais capaz de evitar que isso ocorra de novo.

Nós, jovens alemães, não temos culpa. Mas temos responsabilidade de como lidamos com isso e impedimos que volte a acontecer. A Segunda Guerra, o nazismo e o Holocausto são parte da nossa história familiar.

MOMENTO CERTO

A geração dos meus avós teve de lidar com o fato de que não fizeram nada contra aqueles crimes. Com o fato de que eles sabiam pouco mas sabiam o suficiente para reconhecer que não queriam saber mais. É um processo psicológico complexo e doloroso de vergonha, culpa e supressão. Hoje sinto que essa geração, à medida em que suas vidas se aproximam do fim, está mais aberta para falar, e a conversa com os netos parece fluir mais. Agora é um bom momento; tardio, mas é um bom momento.

JULGAMENTO

Continuamos a amar nossos avós. Não quero julgá-los; ou, pelo menos, não quero supor que, na mesma situação, eu teria feito melhor ou teria sido mais esperto ou resistido. Isso é especulação. O que é importante para a vida contemporânea é o que isso significa para mim numa sociedade democrática.

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