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Mistério no Vaticano

Investigação sobre o desaparecimento de uma garota de 15 anos nos anos 80 revela que o corpo de um mafioso -que teria dado dinheiro à Santa Sé - está enterrado em basílica medieval

Guido Montani 5.jul.2010/Ansa
Vista da Basílica Sant'Apollinare, próxima à Piazza Navona, onde está enterrado o corpo do mafioso Enrico de Pedis
Vista da Basílica Sant'Apollinare, próxima à Piazza Navona, onde está enterrado o corpo do mafioso Enrico de Pedis

DIOGO BERCITO
DE SÃO PAULO

A investigação sobre o sumiço de uma garota italiana há quase 30 anos colocou o Vaticano em uma batina justa: a igreja está sendo acusada de aceitar suborno para enterrar um mafioso em uma basílica medieval, em 1990.

A trilha da investigação sobre o paradeiro de Emanuela Orlandi levou ao túmulo do criminoso Enrico de Pedis, sepultado em Sant'Apollinare, próxima à Piazza Navona.

A garota desapareceu aos 15 anos, em 1983, a caminho da aula de música. Desde então, as buscas por essa cidadã do Vaticano traçaram caminhos variados e díspares.

A julgar pelos rumores, ela vive em um palacete em Liechtenstein. Chama-se Barbarella e vende produtos da Avon. Seu corpo se desfez em um caminhão de cimento. É monja no Leste Europeu. Vive sob sedação na Inglaterra.

Ou Emanuela está enterrada no túmulo do mafioso, que deve ser aberto neste mês para tentar colocar ponto final ao menos nesta hipótese.

Questão que levou as autoridades romanas a se deparar com outro mistério: como Enrico de Pedis chegou ali.

Segundo a lei canônica, esse tipo de sepultura é reservado a papas e cardeais. Nas últimas semanas, fontes ligadas ao Vaticano citadas pela imprensa italiana afirmaram que o privilégio foi resultado da doação de 1 bilhão de liras à igreja (hoje, R$ 1,2 milhão). A Santa Sé não comenta.

Desaparecida aos 15 anos, Emanuela é como uma versão anos 80 de Madeleine McCann, garotinha inglesa sumida em Portugal em 2007.

À época, foi dito por testemunhas que ela havia fugido de casa para vender produtos da Avon e que tinha mudado o nome para Barbarella.

A tese foi aceita até que o papa João Paulo 2º apelou durante missa aos responsáveis pelo sumiço -indicando que já se cogitava de um sequestro. A partir daí, espalharam-se hipóteses. Por exemplo: ela havia sido sequestrada para pedir a soltura do turco Mehmet Ali Agca, que tentou assassinar o papa em 1981.

A teoria é vista com descrença -mas o próprio Agca a reforçou, durante entrevista em 2010, dizendo que a garota Emanuela vive hoje no Leste Europeu como monja.

'PROCURE NA TUMBA'

Um telefonema anônimo dado a uma emissora de televisão italiana, em 2005, apontava outra explicação.

Uma voz misteriosa sugeria que quem estivesse em busca de uma solução deveria procurar entre as tumbas da Sant'Apollinare. Foi quando se tornou público, e escandaloso, que Enrico de Pedis havia sido enterrado ali.

O enigma da tumba trançou-se com o de Emanuela em 2008, quando Sabrina Minardi, ex-namorada do criminoso, afirmou que o sequestro havia sido obra do grupo mafioso Banda della Magliana, de Enrico de Pedis.

É a linha de investigação que leva a promotoria a crer que pode encontrar o corpo de Emanuela no sepulcro.

JUSTIÇA

Não é no que acredita Pietro Orlandi, irmão de Emanuela. À Folha ele diz que espera apenas que a abertura "ponha um ponto final nesse tipo de hipótese".

Ele acha "triste" que a falta de colaboração das autoridades religiosas tenha deixado um vácuo -preenchido por teorias conspiratórias.

Orlandi acredita em uma hipótese específica: a de que a "piccola" Emanuela foi sequestrada como represália ao papa. Nesse caso, teria sido escolhida simplesmente por ser uma cidadã do Vaticano.

A máfia, diz Orlandi, havia emprestado dinheiro ao Vaticano por meio do Banco Ambrosiano. Mas o papa teria usado o capital para financiar o Solidariedade, sindicato que liderou a queda do comunismo na Polônia nos anos 80.

Isso explicaria, diz Orlandi, por que o Vaticano reluta há quase três décadas em cooperar na resolução do caso. "Não é uma coisa bonita que um papa tenha utilizado dinheiro da máfia para ajudar a causa polonesa", afirma.

A jornalista Raffaella Notariale, por meio de quem Sabrina Minardi fez suas revelações, concorda com a tese.

"O dinheiro nunca foi devolvido e, obviamente, os mafiosos o queriam de volta."

Para o repórter Fabrizio Peronaci, do jornal italiano "Corriere della Sera", as investigações ainda tocam apenas a superfície e falham em "dar nome ao mandante" do crime -que, afirma à Folha, pode estar entre os mais altos escalões da Santa Sé.

Em comunicado oficial do Vaticano, a igreja diz não se opor à abertura do túmulo de De Pedis. Mas alega não ter mistério algum a revelar sobre o sumiço de Emanuela.

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