Índice geral Mundo
Mundo
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

Viagem eleitoral pelo Egito

Agora, candidatos precisam gastar sola de sapato; antes, no sistema de partido único, o resultado era sabido de antemão

MARCELO NINIO
ENVIADO ESPECIAL AO NORTE DO EGITO

Ao contrário do que acontecia até o ano passado, quando uma revolta popular derrubou o ditador Hosni Mubarak, candidato presidencial no Egito agora tem que gastar a sola do sapato.

Antes, no sistema de partido único e com eleições pouco transparentes, o resultado era sabido de antemão. Em 30 anos no poder, Mubarak venceu quatro vezes, sempre com cerca de 90% dos votos.

A era da certeza acabou, para o bem e para o mal. Nenhum analista arrisca prever o resultado do primeiro turno das eleições presidenciais de quarta e quinta-feira.

Ao longo da campanha, que terminou oficialmente ontem, os principais candidatos suaram a camisa, chegando a pontos remotos do país que nunca haviam visto um presidenciável de perto.

A Folha acompanhou uma dessas maratonas eleitorais de dentro do ônibus de campanha de um dos favoritos da disputa, o ex-chanceler (1991-2001) Amr Moussa.

Durante 15 horas na estrada, percorreu oito cidades do norte do país. Foi ovacionado por multidões, mas também recebeu vaias de quem não esquece seu passado no regime de Mubarak.

O périplo começou em Abu al Matamir, poeirento vilarejo a 40 km da cidade costeira de Alexandria. Centenas de pessoas o esperavam com cartazes e um buzinaço ensurdecedor.

O empurra-empurra foi inevitável. Um fã mais exaltado subiu no palco e foi retirado aos tabefes pela segurança a menos de um metro de Moussa, que continuou discursando impassível.

"Educação, saúde e segurança para todos os egípcios, muçulmanos e cristãos", prometeu Moussa, sem esquecer um tema que sempre marca pontos com o eleitorado. "E um Egito forte e capaz de se defender de Israel."

Numa campanha que chega à reta final polarizada entre islamitas e candidatos com Mubarak no currículo, a religião não é deixada de lado nem pelos seculares, como é o caso de Moussa.

Antes e depois de seus comícios, trechos do islã ecoaram em alto volume das caixas de som, enquanto o público respondia: "Alahu Akbar (Deus é o maior)".

Num deles, a cabeleireira Safeia Sabah, 32, observava o tumulto com um sorriso. Embora vestida de preto e com a cabeça coberta por um véu muçulmano da mesma cor, ela rejeita os rivais islamitas de Moussa.

"Não queremos um presidente religioso. O importante é a experiência de Moussa para resolver os graves problemas do Egito."

Num país em que metade da população vive com menos de R$ 4 por dia, a economia em declínio é a maior preocupação da maioria na primeira eleição presidencial livre da história.

Moussa costuma citar o ex-presidente Lula nos comícios e diz se inspirar nos programas de transferência de renda adotados no Brasil.

"Admiro o presidente Lula e por isso costumo usá-lo como exemplo da importância de priorizar os jovens, a educação e a justiça social", explicou à Folha.

De volta à estrada, o ônibus tem dificuldade em avançar em meio às centenas de pessoas que querem tocar no candidato.

Paciente, Moussa desce do ônibus, aperta mãos, segura bebês. No novo Egito, o corpo a corpo passou a ser uma necessidade política. Um homem saca um fuzil e dispara para o alto. Ninguém se assusta. São tiros de festa, coisa normal no mundo árabe.

Da janela do ônibus, o suíço Alexandre Starker, estrategista de Moussa, não se deixa contagiar pela euforia.

"É impossível prever o resultado", diz, advertindo que as pesquisas de opinião, outra novidade no Egito, não são dignas de confiança.

Na última delas, divulgada ontem pelo jornal estatal "Al Ahram", Moussa lidera, seguido de Ahmed Shafiq, último premiê de Mubarak.

Os dois principais candidatos islamitas, Mohamed Mursi, da Irmandade Muçulmana, e o independente Abdel Aboul Fotouh aparecem empatados em terceiro.

Ontem à noite, a Irmandade deu uma demonstração de sua força como o mais organizado grupo político do país. No último comício antes da eleição, reuniu milhares de pessoas no Cairo.

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.