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Análise

Egito condena Mubarak, mas mantém alicerces de seu tempo

ARLENE CLEMESHA
ESPECIAL PARA A FOLHA

O poder simbólico, inegável, da condenação à prisão perpétua do presidente deposto do Egito, Hosni Mubarak, e seu antigo Ministro do Interior, Habib al Adly, no marco da chamada Primavera Árabe, não oculta as sérias limitações do veredito.

O fato é que o mesmo processo judicial que condenou Mubarak por "cumplicidade" na morte de mais de 900 manifestantes em 2011 falhou em apontar os autores da matança. Derrubou as acusações de corrupção e, mais que isso, inocentou outros nove réus, entre eles seis altos oficiais do aparelho de segurança do Estado, mantendo, assim, inabalado um dos principais e mais odiados alicerces do velho regime.

A mensagem transmitida pelo resultado do julgamento é que as forças de repressão e espionagem, ligadas ao Ministério do Interior, podem continuar a prender, torturar e matar impunemente, seja quem for o novo presidente eleito em duas semanas.

De fato, desde a queda de Mubarak, foram realizadas 11 mil prisões políticas de civis, segundo as organizações de direitos humanos.

Oficiais do Exército que criticaram o Conselho Supremo das Forças Armadas também foram presos. Prisões estas seguidas de procedimentos humilhantes, ou torturas, também contra mulheres.

Em março, o médico militar acusado de forçar o "exame de virgindade" em 18 mulheres ativistas, presas durante a revolução, foi inocentado, e sua principal vítima, Samira Ibrahim, exposta ao ridículo pela corte militar.

Para completar o quadro das distorções cometidas pelo Judiciário, nesta semana haverá o julgamento de 30 membros de ONGs indiciados pela desconfiança de receber ajuda externa para fazer ativismo político no país.

Não há que se duvidar, o sistema judicial que condenou Mubarak é o mesmo que no passado o serviu. Sendo que o resultado do julgamento reproduz a exata saída política há mais de um ano colocada em prática para conter a revolução -sacrificar o líder para proteger o regime, com todas suas ligações clientelistas e corruptas.

Mais uma vez, a Irmandade Muçulmana, inimiga histórica do regime mas nem por isso encarnação viva do espírito das ruas, se apresenta como defensora da revolução ao engrossar protestos contra o resultado do julgamento, de norte a sul do país.

ARLENE CLEMESHA é professora de História Árabe e diretora do Centro de Estudos Árabes da USP

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