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Opinião

Medidas recentes da Argentina desafiam acordos e o bom senso

Ação do governo não corrige causas dos problemas, como alta do gasto público, inflação e perda de competitividade

'O povo terá de pensar somente em pesos', diz o governo. Mas não se muda uma cultura em menos de duas gerações

GUSTAVO SEGRÉ
ESPECIAL PARA A FOLHA

A frase "os fins justificam os meios" representa a essência do maquiavelismo. Em 1513, na sua obra "O Príncipe", Maquiavel dizia que os governantes poderiam se colocar acima dos conceitos éticos e morais para conquistar seus objetivos de governo.

Os integrantes do governo da presidente Cristina Fernández de Kirchner, muito provavelmente, têm esse autor como fonte de inspiração nas suas políticas públicas.

Alta exagerada do gasto público, que provocou um deficit fiscal de grandes proporções; índice de inflação real muito distante dos determinados pelo governo; contas que não fecham; fuga de capitais para o exterior; falta de financiamento internacional; notória perda de competitividade de produtos (em razão do aumento, em dólar, dos insumos e da mão de obra).

Tudo isso obrigou o governo argentino a tomar medidas que contrariam a lógica do comércio internacional, gerando muitas queixas contra a política implementada pelo secretário de Comércio Interior -mas que dá as cartas no comércio exterior-, o polêmico Guillermo Moreno.

Foi implementada uma sucessão de medidas que contrariam os acordos internacionais e o bom senso.

"Só poderá importar quem exportar pelo mesmo valor." "Ninguém poderá comprar dólares sem autorização da Receita Federal da Argentina [que não autorizou o dono de um banco a comprar mais do que U$S 4.000]." "As Declarações Juramentadas de Adiantamento de Importações não estão sendo autorizadas [e muitas empresas devem suspender ou demitir funcionários]." "Quem compra produtos da Argentina deve pagar em até 30 dias [o que faz com que o produto argentino perca mercado para os uruguaios, por exemplo]."

A última e mais recente: "O povo argentino terá que deixar de pensar em dólares e pensar somente em pesos". Não se muda uma cultura em menos de duas gerações.

Não bastasse tudo isso, as empresas que investiram no país e lucraram com isso se viram impossibilitadas de enviar os seus lucros ao exterior, pela falta de dólares no país. Ninguém com sentido lógico investirá na Argentina.

O que pretendia ser um remédio tornou-se o carrasco do denominado "modelo argentino". A Argentina é o único país do mundo em que o valor do dólar (paralelo) supera o do euro (mesmo com a crise na Europa).

O governo argentino não está trabalhando para corrigir a causa. Tenta resolver a conjuntura, que, por sinal, a cada dia se complica mais.

Com a semana do cinema argentino na cidade de São Paulo, concluo minha análise com os títulos de famosos filmes que retratam a realidade argentina: o que poderia ter sido "um novo amanhecer" pode terminar como "o exterminador do futuro".

GUSTAVO SEGRÉ é economista, professor de Relações Internacionais da Universidade Paulista e ex-assessor de Relações Internacionais do governo da Província de Buenos Aires.

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