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Análise

Sua prosa estabeleceu novo paradigma para o gênero

BRAULIO TAVARES
ESPECIAL PARA A FOLHA

A ficção científica se consolidou ao longo de um século como uma literatura de enredo, e não de estilo.

As histórias e imagens do gênero são surpreendentes e requerem do leitor certa adaptação mental. Uma prosa elaborada ou vanguardista demais pode bloqueá-lo.

Diferentemente do que ocorre com assuntos minimalistas ou familiares, que permitem à prosa as cambalhotas que bem entender, enredos extraordinários pedem limpidez, para que o insólito se perceba por inteiro.

Ao surgir, com "As Crônicas Marcianas" (1950), "The Illustrated Man" (1951), "Fahrenheit 451" (1953) e outros, Ray Bradbury desmentiu essa regra, mas com um desmentido que escancarava uma terceira via.

Era a prosa mais elaborada que o gênero vira até então. Não no sentido modernista do estilhaçamento do discurso ou dos pontos de vista. Era uma prosa ornamental, um tanto "art nouveau", rica em metáforas e símiles.

Num universo literário cujo discurso se esforçava para ser invisível (a "prosa vidraça", como pregava Isaac Asimov, que servisse só para revelar o que havia além dela), o texto de Bradbury parecia estar ali para exibir a si mesmo.

Era uma prosa poética -e a expressão se colou a seu estilo, para o bem e para o mal.

Depois desse choque de novidade, os leitores perceberam que suas histórias eram originais, vividamente imaginadas e que, depois de degustada a prosa, seus enredos forneciam matéria à memória por muitos anos.

O lirismo de Bradbury se misturava à nostalgia por um passado mais fácil de enfrentar do que o presente.

Suas histórias celebravam uma vida interiorana que ele considerava mais encantadora que a mecanizada rotina dos grandes centros. Foi, no seu gênero, um dos grandes críticos da tecnologia.

Embora seu nome esteja ligado à ficção científica,

Bradbury foi o grande poeta do que se chama fantasia tenebrosa ("dark fantasy"), que mescla lirismo e terror.

Em livros como "The Dark Carnival" (1947), "O País de Outubro" (1955), "O Licor de Dente-de-Leão" (1957) e "Algo Sinistro Vem Por Aí" (1962), cristalizou esse gênero, que hoje floresce nos quadrinhos de Neil Gaiman, romances de Jonathan Carroll, contos de Harlan Ellison ou filmes de Tim Burton.

BRAULIO TAVARES é escritor e compositor. Publica no blog Mundo Fantasmo (mundofantasmo.blogspot.com)

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