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Clóvis Rossi Dói no bolso e mais na alma Crise europeia provoca devastadores efeitos anímicos e mina o sistema democrático A crise e a maneira europeia de enfrentá-la estão provocando, na Espanha, efeitos que vão além da já grave retração econômica, com suas inescapáveis sequelas sociais. Estão também doendo profundamente na alma dos espanhóis e reverberando no funcionamento da democracia. Um resumo do sentimento dominante está em texto de Ulrike Guérot, representante da Alemanha no Conselho Europeu de Relações Exteriores: "Para um país como a Espanha, que vinculou seu passado recente e seu futuro à Europa, ser agora posto de joelhos pela mesma Europa atinge um nervo, pondo em questão tudo aquilo em que os espanhóis basearam suas esperanças quando se livraram da era Franco" [o ditador Francisco Franco, que governou desde a vitória na guerra civil de 1936/39 até morrer em 1975]. De fato, a construção europeia exigia a democracia para aceitar sócios. A Espanha de Franco batera no teto de suas possibilidades econômicas e, sem integrar-se à Europa, estaria condenada à periferia. Por isso mesmo, até os empresários e os setores conservadores mais lúcidos, que se identificavam com a ditadura e/ou se beneficiavam dela, chegaram à conclusão de que era preciso redemocratizar o país. Até a crise, tudo deu certo: a democracia veio, a Espanha foi aceita na Europa em construção e, logo em seguida, no primeiro lote de países que adotaram o euro. Com tudo isso, veio também uma explosão de crescimento. É compreensível, pois, que haja um choque agora que a Europa, como escreveu Guérot, põe a Espanha de joelhos. A recessão dói, o desemprego machuca, os cortes na rede de proteção social aleijam e, ainda por cima, vem a humilhação de submeter o país, sócio-fundador do euro, à condição de semicolônia de seus pares supostamente mais virtuosos. O efeito na política é devastador: o governo anterior, do socialista José Luis Rodríguez Zapatero, no qual começaram a crise e, como resposta, os ajustes, ruiu fragorosamente nas urnas. O atual, do conservador Mariano Rajoy, desmoralizou-se em escassos seis meses de gestão: pesquisa que o jornal "El País" publicou no domingo mostra que 63% dos espanhóis desaprovam sua gestão e 78% dizem ter "pouca ou nenhuma confiança" nele. Desidratados os partidos tradicionais, surge o movimento dos "indignados", forte, mas incapaz, até agora, de traduzir sua indignação em ação política alternativa a conservadores e socialistas. Aparece então o fantasma grego, aponta outro integrante do Conselho Europeu de Relações Exteriores, José Ignacio Torreblanca, em "El País": "A destruição dos dois grandes partidos gregos de centro-direita e centro-esquerda como consequência de planos de ajuste que ignoram o entorno político e social em que têm que operar oferece um ponto de referência muito claro nesse sentido [o de que a intervenção europeia mina tanto a legitimidade como a eficácia do sistema político]". Visto do outro lado do Atlântico, sabemos como foi demorado remover no Brasil o complexo de vira-lata em que agora incidem Espanha, Portugal e Grécia (pelo menos).
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