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Análise

Golpes de caneta expõem a cara do regime que se nega a morrer

SALEM H. NASSER
ESPECIAL PARA A FOLHA

Desde o início das revoltas árabes se anunciava o risco da contrarrevolução.

Houve quem se insurgisse contra o nome "despertar árabe" por considerar que retratar os povos árabes como adormecidos não faria justiça aos levantes que eles iniciavam periodicamente, sempre frustrados, sempre abortados pelos detentores do poder e por seus apoiadores.

Agora, o quadro no Egito ilustra exemplarmente essa dinâmica de contrarrevolução. Em poucos dias, alguns golpes de caneta nos mostraram que cara tem um regime que se recusa a morrer.

Primeiro, os veredictos que em larga medida deixavam impunes representantes do regime, quer por crimes cometidos durante a revolta, quer por outros, anteriores. Depois, a volta da lei marcial.

E, agora, as decisões da Corte Constitucional que levam à dissolução do Parlamento afirmam a legalidade da candidatura de Ahmed Shafiq à Presidência e abrem as portas para invalidar eventual eleição do candidato da Irmandade Muçulmana.

A tranquilidade com que o regime, os militares e seus tribunais operam essas jogadas está fundada em dois fatores de confiança: a crença no cansaço, talvez exaustão, para protestar e a crença de que já teve tempo de se instalar, em parte da população e na opinião pública internacional, o medo da Irmandade.

Confia-se em que a população exausta queira acima de tudo ordem e que mesmo os democratas liberais preferirão os militares aos islamitas, agora que as contas estão bem feitas.

Mas esse cálculo trabalha com uma incógnita de monta -o tamanho do apoio popular à Irmandade- e presume que revolucionários e islamitas não se confundem e são, na verdade, excludentes.

Os discursos que explicam as decisões recentes como golpes contra a Irmandade, antes de serem golpes contra a revolução, naturalizam essa distinção e tendem a legitimá-los em nome do medo do islã político. Esse mesmo exercício foi feito na Argélia, com resultados desastrosos.

Às portas do segundo turno da eleição presidencial, a Irmandade sustenta um discurso de tranquilidade, talvez ainda segura de sua enorme força e, quem sabe, confiante de que é inescapável a sua chegada ao poder, agora ou mais tarde.

Mas a revolta egípcia não pode se limitar à decisão sobre quem detém o poder; precisa querer transformar o modo como se faz política e se constrói a sociedade. É esse objetivo que acaba de levar um duro golpe, já esperado.

SALEM H. NASSER é coordenador do Centro de Direito Global da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas.

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