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Crítica 'Coisas da Cosa Nostra'

Livro destrincha métodos e até código de honra da Máfia

MORRIS KACHANI
DE SÃO PAULO

"Aqui, a Máfia atinge os funcionários públicos que o Estado não consegue proteger. Geralmente, se morre porque se está sozinho ou porque se entrou num jogo grande demais."

Assim o lendário magistrado italiano Giovanni Falcone, considerado à sua época o "inimigo número um da Máfia", encerrou o depoimento à jornalista Marcelle Padovani, em um total de 20 entrevistas concedidas em 91 e que aparecem agora compiladas em "Coisas da Cosa Nostra", que a Rocco lança no Brasil.

Um ano depois, Falcone seria assassinado, junto com sua mulher e três escoltas, na explosão de uma bomba acionada por telecomando em uma estrada na Sicília.

Padovani não está errada ao referir-se a Falcone como "um siciliano iluminista", no prefácio do livro. A história da Máfia pode ser contada antes e depois da instauração da investigação criminal que levou a julgamento centenas de mafiosos. Falcone foi o cerébro responsável.

Utilizou a delação premiada como pilar das investigações e teve em Tommaso Buscetta, preso no Brasil em 83, uma de suas principais fontes de informação. Falcone também foi um dos artífices do conceito de cárcere duro, em que os criminosos são encaminhados a presídios com comunicabilidade restrita.

Mas o que constitui a matéria-prima de "Coisas da Cosa Nostra" é o olhar revelador do magistrado italiano sobre os métodos da Máfia, a hierarquia e a ética da organização, e sobretudo a psique dos seus componentes -da célula-base que é a "famiglia", comandada pelo capo, aos homens de honra ou soldados, que formam a base.

Há uma dose de compreensão e humanidade. Alguns dos mafiosos que investigou eram seus colegas de infância, viviam no mesmo bairro.

Na raiz do comportamento mafioso estaria uma dupla moral da alma siciliana, nascida como herança espiritual da região, que historicamente sempre precisou resistir aos invasores.

Pode-se muito bem ter uma mentalidade mafiosa sem ser um criminoso, de acordo com Falcone. "Com os homens de honra aprendi a encurtar a distância entre o falar e o fazer; em certo momentos, esses mafiosos me parecem ser os únicos seres racionais num mundo povoado por loucos."

E também: "A imposição categórica dos mafiosos -de dizer a verdade- tornou-se um princípio fundamental de minha ética pessoal".

Certas colocações do livro podem soar como lugar-comum. Mas é a riqueza de detalhes que faz a diferença.

Folheando as páginas, o leitor descobre como funcionam os rituais de iniciação ou o código de honra: ser do sexo masculino, não explorar a prostituição, não roubar, manter a discrição e esconder os próprios sentimentos. Ostentação de libertinagem e riqueza, jamais.

COISAS DA COSA NOSTRA
AUTORES Giovanni Falcone e Marcelle Padovani
EDITORA Rocco (192 págs., R$ 29,50)
AVALIAÇÃO Bom

Máfia mudou modo de atuar desde Falcone
folha.com/no1105513

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