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Minha história - Tereza Lee, 29

Notas de um sonho americano

Pianista nascida no Brasil é inspiração por trás de projeto sobre imigração que opõe Barack Obama e Mitt Romney na eleição presidencial americana

FERNANDA EZABELLA
DE LOS ANGELES

Chorei de alegria ao ler sobre a nova política de imigração de Obama [duas semanas atrás]. Foi um dia extremamente emocionante para mim e muitos apoiadores do Dream Act. Mas tenho que admitir que estamos cautelosos.

É tão raro ter uma notícia boa de nossos políticos nesse front que nos perguntamos qual será a pegadinha.

Espero que nos próximos meses, com mais acesso a detalhes, o ceticismo diminua.

Nasci em São Paulo e ainda tenho meu passaporte brasileiro, com minha foto de bebê, de quando tinha dois anos e deixava o país para morar nos EUA. Ao ganhar cidadania norte-americana, em 2010, perdi a brasileira. Neste ano poderei votar pela primeira vez. No Obama, claro.

De português, sei algumas palavras, como "roupas", que meus pais vendiam no Brasil.

Aos 18 anos, eles fugiram dos confrontos entre as duas Coreias e vieram morar por sete anos entre São Paulo, Blumenau e Rio de Janeiro. Minha mãe fala português fluentemente, o que nunca aconteceu com o inglês.

Saímos do Brasil após meu pai perder tudo ao ter um talão de cheques roubado e sua conta bancária esvaziada. Minha mãe vendeu sua aliança de casamento para pagar pelas passagens e pelos vistos.

Em Chicago, morávamos em um porão com ratos e que inundava sempre. Não tínhamos dinheiro nem camas -dormíamos em redes.

Quando tinha 12 anos, meu pai me disse que não tínhamos documentos, mas que o governo americano havia nos dado um número e que poderíamos agora pagar impostos, embora sem garantia alguma de não sermos deportados.

Aos 15 anos, percebi o que significava não ter documentos. Meu irmão, que nasceu nos Estados Unidos, havia sofrido um acidente de carro, e meu pai não fez nenhum boletim de ocorrência por medo. Tivemos que arcar com todas as contas.

Meu pai morreu faz alguns anos sem ter documentos. Ele sofria com diabetes e não tinha seguro-saúde nem condições de pagar contas de hospital.

Percebi que entrar numa universidade seria difícil por serem caras e porque eu não tinha documentos. Mas coloquei na cabeça que estudaria piano e seria a melhor pianista do mundo [risadas].

Realmente achei, de forma bastante ingênua, que se eu fosse excelente ninguém nos deportaria.

Passei a estudar dez horas por dia, às vezes mais. Aos 16, consegui uma bolsa de estudos na Merit School of Music, em Chicago, e comecei a ganhar competições. Numa delas, toquei com a Orquestra Sinfônica de Chicago.

Meus professores passaram a insistir em que eu me inscrevesse nas universidades de música.

Passei em faculdades de prestígio, mas, no final, não era aceita por estar irregular no país. Embora não haja leis proibindo escolas de aceitarem estudantes como eu, muitas se negam a fazer.

Meus professores na Merit procuraram então o senador Dick Durbin [do Estado de Illinois], que começou a escrever um projeto de lei que mais tarde viraria o Dream Act. Na época, era uma lei para mim e outros dois estudantes.

Mas, na hora de voar a Washington para nossa audiência, era 12 de setembro de 2001 e todos os voos foram cancelados. Só depois de muitos anos a questão migratória voltaria ao debate.

Felizmente, no final, consegui entrar para a Manhattan School of Music, em Nova York. No primeiro ano, eu fui a primeira caloura a ganhar uma importante competição da escola. Foi também lá, onde hoje faço doutorado, que conheci meu marido, um trombonista americano.

Com ele, tirei minha cidadania, um processo caro e que levou seis anos. Também viajei para fora do país pela primeira vez, mas não ainda para o Brasil ou para a Coreia.

Sempre me questiono se sou coreana, brasileira ou americana. Com certeza, sou uma cidadã do mundo. É um conceito que muitos não consideram por serem muito patrióticos com um país ou outro. Mas acho que esta geração está cada vez mais globalizada e precisamos ter consciência disso.

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